S01E04 - A PRIMEIRA MORTE

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O aroma da chuva fresca que acompanhava o pingente com a figura de um leão; seguido pelas sardas no rosto de Felícia que apareciam quando ela, de forma tímida, inclinava a cabeça ao me ver; as pancadas e golpes que recebi na região das costelas dos garotos do orfanato; Leoni me observando com seus olhos de cor laranja no pátio; o momento em que Elliott me introduziu ao fascinante mundo do circo; as covinhas que ficavam ocultas pelos cabelos encaracolados de Alys na universidade; o sabor único do bolo de Maya que provocou vômito em todos naquele dia; a vez que permiti que a píton se enrolasse em meu pescoço; os treinos intensivos que Hero exigia no trapézio; o dia em que encarei a plateia pela primeira vez. Dizem que, ao morrer, sua vida passa diante de seus olhos como um filme. Foi o que aconteceu.

Caminhava pelas vias sombrias, fugindo daquele pesadelo. Possivelmente, estava lidando com uma crise de exaustão, o famoso burnout. Corria ocasionalmente olhando para trás, para assegurar que o homem ruivo e barbudo não me perseguia. Ele não era real, nada daquilo era real. Felicia havia me convencido disso, era nisso que eu precisava acreditar.

No entanto, não desejo retornar ao circo agora. Não diante daqueles olhares e vozes repletos de julgamento. Portanto, só existia um caminho para seguir.

Toquei na porta três vezes, observando o homem barbudo abri-la antes que eu pudesse dar a quarta batida. Em contraste com Leoni, Ryker Ravenclaw tem cabelos mais curtos, porém, uma barba igualmente longa, porém castanha. O ancião, marcado por inúmeras rugas, me avaliou de cima a baixo, aguardando uma resposta.

— Boa noite. — Cumprimentei. — Alys está em casa?

Ela já descia os degraus, como pude perceber pela porta semiaberta. O senhor, por sua vez, não pronunciou uma única palavra.

— Ele é um colega da universidade, pai. — Ela declarou, aproximando-se do exterior e fechando a porta na frente do pai. — O que aconteceu, Cato?

— Não tinha outro lugar para ir, Alys. Sei que é tarde, mas... — Ela me interrompeu.

— Relaxa, normalmente não dormimos cedo. Aconteceu alguma coisa? — Ela me conduziu ao jardim externo, onde havia um pequeno banco. Lá nos sentamos.

— Eu falhei na apresentação. — Repeti, cabisbaixo.

— De modo algum, Cato! Você foi excelente — disse ela, enquanto se aproximava de mim. — Todos estavam aplaudindo você.

— Mas a minha família...

— Cato, você deu o seu melhor, não foi? Isso foi a sua estreia, certo? — A pergunta soou mais como uma afirmação. — Da próxima vez, tenho certeza de que você vai se sair ainda melhor.

— Você tem sido gentil comigo recentemente... — Disse eu, sorrindo ao vê-la sorrir em resposta. Uma das minhas mãos se dirigiu à dela, tocando-a suavemente. Enquanto isso, a outra mão buscava um pingente escondido dentro da minha blusa. — Há algo que nunca compartilhei com você, Alys...

— O quê?

— Eu não nasci ali. Fui adotado há dois anos. Morei em um orfanato minha vida toda.— Confessei.

— Fico feliz por você ter encontrado um lar — disse ela, com simpatia. — E também por seguir o caminho da arte. Sei que muitos jovens se perdem nessas casas...

— É... — Continuava a segurar o pingente firmemente contra o peito. — No entanto, existe mais um detalhe sobre minha verdadeira família. Quando eu era apenas uma criança, deixaram algo no meu berço.

— O que?

Antes que eu tivesse a oportunidade de compartilhar a imagem do leão, um som me interrompeu. O rugido de uma pantera ressoou, mais uma vez. Imediatamente, levantei-me.

Gatos Pardos - Leão Branco: Ascensão FelinaOnde histórias criam vida. Descubra agora