Garota do Interior

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A noite envolvia a cidade em um manto de silêncio e escuridão. Diante do antigo espelho, Elizabeth sentou-se, observando seu reflexo fragmentado. Cada pedaço de vidro parecia guardar um segredo, uma memória perdida no tempo. Ela tocou a superfície fria, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. As imagens se distorciam, mostrando vislumbres do passado que ela temia encarar.

'O espelho revela a verdade oculta,' pensou Elizabeth, 'mas quem ousa encarar sua própria alma?'

Fechando os olhos, ela deixou as lágrimas escorrerem, enquanto as sombras ao seu redor sussurravam segredos antigos e promessas quebradas. Quando abriu os olhos novamente, viu algo que a fez prender a respiração — um reflexo que não era dela. Era um vislumbre de um futuro incerto, onde destinos se entrelaçam e segredos aguardavam revelação. Ela percebeu, naquele instante, que o espelho não mostrava apenas o passado, mas também uma premonição do que estava por vir.


Camila Cabello POV

Boston, MA - 29/04/2024

Fechei a tela do meu notebook após mais de quarenta minutos lutando para escrever menos de duzentas palavras. Nunca imaginei que mudar de cidade me levaria a passar tanto tempo desempacotando móveis, organizando objetos decorativos e enfrentando um bloqueio criativo colossal. Talvez a preocupação com a documentação do novo apartamento estivesse começando a invadir o espaço mental que a literatura costumava ocupar.

Isso não é bom.

Depois de anos vivendo em uma pequena cidade no interior de Dakota do Sul, com menos de mil habitantes, eu sentia a necessidade urgente de me libertar das amarras de um lugar tão limitado. A ideia de uma cidade onde todos se conheciam já estava se tornando cansativa. Embora eu apreciasse a tranquilidade de viver em uma casinha isolada, a monotonia estava me sufocando. Eu preciso de novas experiências, pessoas e lugares.

No entanto, a transição não tem sido fácil. A mudança dos suaves sons da natureza para o constante barulho das buzinas está afetando meu sono. Essa falta de descanso prolongado provavelmente está contribuindo para a escassez de ideias. A vida monótona do passado me pertencia, mas agora eu estou em busca de algo mais, algo que inspire e motive.

"Você precisa de ação, Camila!" Era o que eu repetia todas as manhãs desde que pisei nos domínios de Massachusetts, como um mantra pessoal moldado especialmente para me impulsionar a tomar decisões diferentes todos os dias.

Escutei o celular tocando enquanto ainda encarava o laptop apoiado em minhas pernas. Devido a grande preguiça que eu sentia naquela manhã e a confortável situação a qual eu me encontrava, com um cobertor fofinho no colo, uma almofada apoiando minha lombar e uma caneca ocupada com um delicioso chá de camomila ao meu lado, eu não me dei o trabalho de levantar para buscá-lo na mesa. Apenas me estiquei ao máximo para alcançar, o que me fez falhar miseravelmente e cair de cima do sofá com a cara voltada pro chão.

– Maldita preguiça! – Praguejei de maneira irritada, ouvindo minha voz ecoar pelo espaço que mais ninguém ocupava. – Vem aqui! – Disse pegando o celular como se ele fosse fugir de mim, sem ainda me levantar por completo já que agora me encontrava enrolada no cobertor que antes estava ali apenas para me aquecer.

Dei uma rápida olhada no visor do aparelho para constatar quem perturbava minha paz nesta quinta-feira nada ensolarada. Atendi e pus no viva-voz assim que reconheci a suspeita desse crime.

– Chancho! Oi! – Escutei Dinah, minha melhor e, talvez, única amiga. – Liguei pra saber como está. Por incrível que pareça, sinto saudades. – Ela disse de uma maneira que, para o padrão Dinah Jane, soava como a maior gentileza já proferida por alguém. – Camila? 'Tá aí?

– Calma Dinah! Você me fez cair! – Disse ainda me desenrolando daquele "charuto de Camila" que havia se formado.

– Minha nossa, até quando eu não tiver culpa eu tenho culpa! Como eu te derrubei se estamos há três mil quilômetros de distância, Cabello?! – Sua indignação era quase palpável, o que me faria rir se eu não estivesse ofegante devido ao árduo trabalho de sair daquela situação.

– Fui pegar o celular pra te atender e caí do sofá. Fiquei toda enrolada no chão. – Expliquei a situação para em seguida ter minha sala completamente preenchida pelas gargalhadas de Dinah no outro lado da linha.

– Chancho eu não acredito! Quando eu digo que você é desequilibrada, vai muito além de uma metáfora. – Ela disse tentando parar a risada, me fazendo rolar os olhos. Percebi que havia uma solicitação para videochamada que prontamente confirmei, conseguindo finalmente ver minha amiga através da tela. Sorri involuntariamente.

– Cheechee! Fez algo no cabelo? Está linda. – Disse para a loira que também esboçava um sorriso.

– Retoquei as luzes e cortei as pontinhas. – Disse exibindo o corte pela câmera. – Mas não liguei pra falar de mim. Como vão as coisas para a mais nova garota da cidade?

– Ah, Chee... No geral vão bem. Consegui me estabelecer direitinho. O apartamento já 'tá praticamente arrumado. Só estou estranhando todo esse barulho. Pensei em colocar aquelas janelas que isolam o som. Já viu? Principalmente porque minha janela dá de frente pra rua. – Eu disse calçando minhas pantufas da cor marrom e andando até conseguir mostrar o que havia acabado de contar.

– Eu sabia que o barulho seria o que mais incomodava mesmo. Aqui em Hill City é muito calminho. As coisas mais barulhentas são as máquinas da colheita, os galos de rinha e nós duas fazendo fofoca. – Ela disse fazendo uma careta engraçada, o que me arrancou uma risada sincera.

– Isso eu preciso concordar. Mas no geral estou gostando, apesar das adversidades. Aqui tem tantas coisas pra fazer que eu fico perdida.

– Tem que sair de casa pra conhecer gente nova, Mila. Eu sei que é seu trabalho, mas ficar em casa escrevendo não sei quantas palavras por minuto é suicídio social. – Constatou de maneira enfática, me fazendo suspirar pesadamente.

Eu sabia que ela estava certa; afinal, aqui não era a cidade em que cresci, onde conhecia todos de forma orgânica. Nunca fui uma garota particularmente extrovertida, e meus gostos peculiares para a escrita talvez não tivessem ajudado muito nesse aspecto. No entanto, conhecer Dinah Jane em uma feira literária, há dez anos, foi fundamental para minha jornada de amizade. Desde os dezesseis anos, éramos inseparáveis. Esperava que nossa amizade continuasse assim, pois Dinah era o maior apoio da minha vida. Ela me incentivou a não seguir uma faculdade convencional para me dedicar à escrita e a vir para Boston em busca de novas experiências. Dinah era um elo forte em minha vida, um elo que eu nunca abandonaria.

– Tudo bem, DJ. Eu vou tentar. Prometo. – Disse encarando a mulher que aparentava se orgulhar de mim.

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Talvez viver em um lugar completamente desconhecido fosse realmente mais complicado do que eu imaginava. Quando a fome aparece e você procrastina em vez de fazer compras, acaba se deparando com três opções: pedir um lanche, sair para comprar algo ou ficar com fome. Após uma árdua disputa entre os neurônios que me restam, fiquei com a segunda opção. Julgo que seria bom caminhar pelas redondezas até então inexploradas por mim ao invés de me assemelhar a um nerd de samba-canção do homem aranha que vive de delivery.

Depois de um bom banho e efetuar a escolha das roupas, uma calça simples na cor preta e um suéter listrado nas cores marrom e bege, saio do apartamento expondo meu melhor sorriso para a senhora Hawkins, a vizinha do apartamento da frente. Se tratava de uma senhora que beirava seus 75 anos, já com os cabelos completamente brancos, que semanalmente me pedia uma xícara de açúcar, afirmando que o dela havia acabado. Eu sabia que isso se tratava de uma desculpa qualquer para quando ela se sentia sozinha naquele apartamento, mas eu não me importava. Ela cheirava a uma mistura naftalina e óleo corporal barato, mas me acolheu desde o segundo em que me viu com caixas e mais caixas de mudança, lamentando não conseguir ajudar a carregar tudo devido a fragilidade proveniente da idade.

Sem muito tempo para conversar, me limitei a desejar uma boa tarde. Meu estômago reclamava dentro da minha barriga, se queixando das várias horas sem algo sólido para renovar as energias do corpo.

Minutos depois de deixar o prédio, que era muito bem localizado, avistei uma pequena padaria que parecia capaz de suprir toda a fome que eu sentia. Principalmente depois de conseguir ler as letras garrafais de um cartaz, que indicavam que vendiam pratos de macarrão no horário do almoço.

Entrelinhas - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora