O cheiro de incenso e morte ainda pairava no ar. A catedral permanecia silenciosa, onde nem os ecos da solidão ousavam se sobrepor ao som melancólico do minueto. Carpideiras se reuniam ao longe, trazendo flores que já começavam a murchar, enquanto ocultavam seus rostos sob véus negros.
As orações não cessaram nem quando as badaladas do grande sino, acima das telhas, cortaram o silêncio com suas notas graves, pesadas como o luto que se instalava dentro de mim. Da maioria de nós.
Eu permanecia imóvel. Tudo havia acontecido tão repentinamente que nem mesmo as lágrimas conseguiam mais encontrar caminho. Apenas fungava, sentindo aquela dor aguda começar a se instalar, latejando bem acima dos olhos.
Meu pai estava morto. E, com ele, morreu também tudo que eu conhecia como segurança, ordem... e esperança. Na noite passada, seu corpo mal havia esfriado, e eu já me via de joelhos, gritando por ajuda, sufocada em lágrimas quentes que embaçavam minha visão. As criadas invadiam os aposentos, algumas tomadas pela curiosidade, outras, quem sabe, pela preocupação. A verdade? Eu não me importava. Nem um pouco.
Senti, então, uma mão repousar sobre meu ombro. Não precisei me virar. Eu sabia quem era. Ahrgus. O antigo conselheiro do rei. A mão direita de meu pai... até sua última respiração. Era a única pessoa agora, que eu confiava a minha vida.
- Lamento por isso, majestade. - sua voz veio como um sussurro, baixo o bastante para não se perder, mas carregado de peso. Se soasse mais alto, temo que ecoaria pelos corredores da catedral, violando a cerimônia do luto. - Ele deixará bem mais do que sua ausência além dessas paredes.
Todos estavam ali. Nobres. Embaixadores. Famílias reais de reinos vizinhos. Vieram não apenas prestar condolências... vieram testemunhar. Observar. Julgar. Afinal, a morte de um rei não era apenas uma tragédia, era também uma oportunidade.
A vigília de sete dias mal havia começado, mas o vazio parecia se prolongar há uma eternidade. Quando um rei morre... não é apenas um homem que parte. O reino perde seu pilar. Seu coração. Sua proteção.
- Me sinto menos aflita com você aqui, ao meu lado. - forço um sorriso. - Sua presença era uma das coisas que ele mais adorava aos finais da tarde.
Meu pai, quando não praticava seus afazeres de rei, era um nome jogador de xadrez, e Ahrgus era uma das poucas pessoas que conseguia vencê-lo entre o preto e branco.
- Ainda há muito o que ser feito. - suspira, suas vestes se destacando um pouco com a tonalidade dominante no ambiente. - Mas as notícias não são boas.
Não respondi, permanecia encarando a pele pálida de meu pai, seus olhos fechas e boca costurada. Era uma visão distorcida de um homem que já fora jovem e feliz. Esse também seria o meu fim?
- Charlos está aqui. E... o trono será reivindicado por ele.
Suas palavras não me assustaram naquele momento. Eu não ligava para o trono ou quem sentaria nele quando os sete dias de luto acabassem. Tampouco, quem usaria a coroa que já fora colocada na cabeça de meu pai. Naquele momento, eu apenas gostaria de mais um tempo com ele, antes que seu corpo virasse pó sob a terra.
- Por favor, Ahrgus... deixe-me com a minha dor.
Ele assentiu, se curvou e virou-se.
O trono foi tomado... Não por mim, herdeira legítima, mas pelo homem que deveria proteger minha linhagem, meu próprio primo.
Charlos.
Ambicioso. Covarde. Cruel.
Seria os sete dias mais difíceis que lidaria, e meu pai não estaria ao meu lado para dizer que tudo ficaria bem.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Pact with darkness
Romansa(Nova versão disponível!) Conteúdo adulto| Monster romance com demônio +18| Quando a morte do rei mergulha o reino em caos, a princesa Elysie se vê sem saída. Cercada por inimigos, traída pelo próprio sangue e prestes a perder tudo, ela descobre uma...