Chris estremeceu apenas com uma palavra formada por três letras.

Ele se virou abruptamente, ante a senhora senil de idade avançada ali parada.

Era negra e anciã, com as vestes constituídas por trapos e recortes de pano costurados.

O cabelo preto e trançado, numa Maria Chiquinha.

Tinha bochechas gordas e flácidas, a pele seca e enrugada.

__ E-eu..... __

__ O que tem você? __

Ela se aproximou, carregando um pedaço retorcido de tronco simulando uma bengala em uma das mãos para se movimentar.

__ N-não qu-eria incomodar.__ Chris dizia pausadamente.

__ Não incomoda. __

Os olhos dela eram brancos e enevoados, como um vidro embaçado.

Christopher estava paralisado, com as pernas imóveis e os pés enraizados que não conseguiam sair do lugar.

__ Gosto de receber visitas, sinta-se em casa. __ disse, de forma receptiva e auspiciosa, o que intrigou Chris com sua familiaridade.

Afinal, ele era um intruso.

__ Bom, acho que somos vizinhos. __ Chris descontraiu, disfarçando o incômodo oportuno com a voz tremulante e esganiçada.

Estava notoriamente desconfortado, contudo ele faria de tudo para conseguir escrever e trazer sua linha criativa de volta.

Conversar com uma suposta bruxa não estava nos seus planos.

Ela consentiu, fazendo um leve movimento com a cabeça.

__ Você recebeu o chamado, certo? __

Chris se recordou da máquina de escrever de outro instante.

__ Acho que sim. __ respondeu timidamente, com a voz baixa e fina.

Christopher, assim como a máquina de escrever, processava aquele entrevero dentro da cabeça, porém não havia mais palavras para descrever.

__ Precisa da minha ajuda? __

__ Acho que sim. __ Admitiu, angustiado e desesperado.

__ Do que você precisa? __

__ Eu quero voltar a escrever! __ Exclamou, após sucessivos dias sem nada permanentemente escrito na folha de papel.

__ Estou tentando acabar com um bloqueio criativo e voltar a escrever como antes. __

A velha cigana levou a mão magra e ossuda a têmpora, mordiscando o lábio murcho inferior e evocando um semblante plácido e pensativo.

Formando dobras e ondas de pele acima do punhado rasteiro de sobrancelhas grisalhas na testa.

Dentro dos olhos dele havia um pedido incessante e imediato de ajuda, do qual ela conhecia.

O mesmo olhar que os homens céticos e descrentes fazem ao presenciar algo inexplicável, sem tentar entender ou cobrar esclarecimento prévio.

Não queria respostas, precisava resolver um problema.

Fez um gesto para Chris, que a seguiu descobrindo invariavelmente mais sobre os arredores da casa de um cômodo só.

Enganchado num espeto sobre uma prateleira, havia um rato morto com vários filetes e agulhas enfiados em sua barriga.

Encaixados na estante, livros e encadernados acumulavam poeira, alguns abertos e expostos com símbolos pagãos e gravuras ocultistas entalhados no couro da capa.

Figuras sinistras e diabólicas estampavam a lombar de algumas coleções e edições.

A estatueta de um ídolo esculpido fora descortinado sobre a mesa de velas.

Embora Chris tivesse um certo respeito mútuo às crendices alheias e seguimentos religiosos de outras pessoas, era inegável que aquilo soava estranho e misterioso.

O tipo de energia mística e sombria que causava um tremor nos discos da vértebra numa descarga elétrica, ouriçando os pelos das costas e sacudindo os ombros.

Chris lançava olhares sinuosos de reprovação, conforme passava por aquele lugar repleto de blasfêmia e extravagância.

Ela parou ao lado de um enorme caldeirão de ferro enferrujado, fazendo um sinal para Chris se aproximar.

Um tanto quanto vacilante, ele se pôs recostado na estrutura de metal oxidado.

Dentro do recipiente, um líquido escuro e viscoso parecia cozinhar no fundo, mesmo sem nenhum aquecimento.

Christopher se afastou, retraído com o fluido neutro e inodoro que fervia e borbulhava como se estivesse com vida.

__ Estenda a mão para mim. __ pediu, desembolsando uma faca de dentro da roupa.

Chris se recolheu para trás, ficando pálido.

__ Não há o que temer. __ lhe assegurou, com a lâmina na mão.

Ele titubeou, engolindo seco e formando um galo na garganta antes de estirar a mão direita.

__ A mão que você escreve. __

"Como ela sabia?!", pensou, corrigindo a mão direita para a esquerda.

A velha então passou a faca em sua mão, num corte profundo o suficiente para espirrar um pouco de sangue que escoou e se misturou a substância petrolífera dentro do caldeirão.

__ Aargh. __ gemeu, deixando escapar um suspiro abafado.

Ela o ignorou e continuou, seguindo com os próximos passos do ritual.

Tirou um pequeno cilindro de uma das aberturas das vestes, o que revelou ser um frasco de vidro com álcool e algo dissolvido dentro.

Ela entornou aquilo e despejou o interior obscuro de outros frascos, lançando junto uma tira de cabelo cortada para dentro da mistura.

Com o pedaço retorcido de madeira se fazendo de bengala em uma das mãos, ela o posicionou feito uma colher dentro de uma panela, manejando fortemente o leme com os dois braços, preparando uma espécie de solução mágica.

__ O que você está fazendo? __

__ Algo que vai ajudar você. __ a voz pigarreou antes de prosseguir:

__ Vou colocar um gênio dentro de você. Ele vai falar tudo aquilo que você precisa na sua cabeça, você vai escutar a voz do djïnn nos seus ouvidos e escrever tudo o que ele disser. __ explicou.

Depois de agitar o caldo em movimentos difíceis e circulatórios com o tronco de árvore, a cigana começou sua oratória, recitando um tipo de idioma estrangeiro e indistinguível.

Profanando palavras inomináveis e inteligíveis acompanhadas de acenos e gestos estranhos.

Sibilando algo muito antigo, que Chris não conseguia compreender.

Ele sentiu medo, o mesmo terror gelado que congela a medula óssea de seus personagens quando vêem um fantasma em seus livros pela primeira vez.

Do tipo que faz o coração disparar, palpitando freneticamente e se destacando no meio do peito.

Subindo o nível de adrenalina, com a artéria do pescoço pulsando e ressaltando as veias, tornando a respiração grave e ofegante, acelerando a frequência cardíaca.

Ao terminar, a bruxa logo se adiantou e trouxe um cálice de alumínio.

Com uma das mãos, ela mergulhou a taça brilhante e reluzente no composto, enchendo o recipiente até atingir a borda.

Esticando o braço fino e lambuzado para Christopher, oferecendo-lhe a poção mágica.

Só ali Chris pôde perceber que ela não era cega e que, mesmo com os olhos esquálidos, conseguia enxergar.

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