__ Beba! __ ordenou.

Chris recusou, mas estava sem escolhas e tinha que apelar para aquilo se quisesse ter sua vida passada de volta.

Depois de um minuto, ele criou a coragem necessária e definitivamente bebeu.

Sentiu vontade de expelir tudo pra fora naquele instante, com um fluxo amarelo e ácido descendo garganta abaixo que deixou os olhos marejados.

Aquilo tinha um gosto gorduroso e metálico, um mixe de adubo molhado e estrume que fez Christopher ter vontade de ir ao banheiro.

Em seguida, Chris sentiu uma leve pontada atrás da cabeça, uma ferroada em sua nuca.

Como se uma lança atravessasse a traseira do crânio e perfurasse os neurônios do cérebro.

Era uma dor cortante e agonizante, a pior das enxaquecas que tivera após árduas leituras.

__ Vai passar. __ garantiu, ciente do que acontecia com ele.

A visão periférica de Chris diminuía, ficando cada vez mais turva e cansada.

O mundo girava ao seu redor, com a cabeça fora do eixo de rotação.

O corpo cambaleou para a retaguarda, relaxado e entorpecido, entregue a algum tipo de encanto sobrenatural.

Chris saiu da cabana extasiado e meio trôpego, com um fio de cabelo perdido entre os dentes da boca.

A bruxa observou tudo, franzindo o cenho e levantando os cantos dos lábios.

__ Já está feito! __

***

Alguns dias depois da visita à cabana da colina, Christopher ainda estava incrédulo e confuso.

A história da bruxa parecia dúbia, as lembranças do que tinha acontecido naquela tarde eram débeis e ofuscantes, nada absoluto.

"Talvez tenha sido um sonho.", considerou, lúcido e um pouco desacreditado.

Chris tentava se lembrar, forçando sua mente.

Durante a conversa com a cigana, havia uma palavra, uma palavra enigmática e difícil de se recordar.

"Djïnn", decodificou, puxando da memória com certo esforço.

Pesquisando na internet, palavras similares como "djin", "djim", "jinn", "gênio" apareciam, todas advindas do árabe.

Buscando seu significado, Chris encontrou sua definição:

"Djïnn, em árabe, significa "aqueles que não se pode ver." São criaturas invisíveis e poderosas que existem desde a era pré-islâmica, que podem mudar de forma e conceder desejos ao seu usuário, sejam eles bons ou maus."

Clicando na aba imagens, Chris descobria mais sobre a aparência dessas criaturas.

Deslizando o olhar sobre as fotos desinteressantes do gênio da lâmpada de Aladin, Chris parou numa imagem que lhe chamou atenção.

Rolou a barra para o lado e abriu a imagem.

Chris sentiu um arrepio que subiu da lombar e se desfez no pescoço, fechando a aba de pesquisa.

Nela havia uma figura hedionda e infernal, com um corpo esguio e humanoide.

A cabeça era robusta, com chifres de touro e um focinho achatado de animal.

Da cintura pra baixo, haviam características físicas ruminantes, com as pernas flexionadas, e pés cascudos terrivelmente felpudos.

A pior parte eram os olhos, olhos do demônio.

Aquilo ficou em sua cabeça, e naquela noite ele teve um pesadelo.

No sonho, Chris estava na cabana da colina, dentro da casa da bruxa.

TUM!

Pisadas fortes que pareciam marretadas brotavam do exterior da residência, abalando a estrutura e fazendo a poeira acumulada das telhas cair sobre Chris.

TUM!

Algo grande e pesado estava em cima da casa, num barulho quase atômico e ensurdecedor.

TUM!

O som mais alto, fazendo a madeira vibrar.

TUM!

Pareciam passos, passos de um bicho gigante.

TUM!

Trotava, como um enorme cavalo cavalgando ferozmente em sua direção.

TUM!

Depois do último baque, veio um rugido demoníaco vindo das profundezas do inferno e o teto rachou, desabando sobre ele.

Na manhã seguinte, Chris não se lembrava de nada.

***

Em menos de uma semana, Christopher havia escrito mais do que em toda sua carreira.

As palavras fluíam como uma fonte de água inesgotável, transcorrendo sobre as páginas, gastando litros de nanquim.

Tec-tec-tec-tec-tec-tec-tec

Não parava de escrever, com a máquina datilografando horas por dia, com as peças e mecanismos internos sendo trocados e lubrificados frequentemente.

Entre uma pausa e outra para se alimentar, deduziu que, no mínimo, tinha material para uns bons anos.

Torres de papel se acumulavam sobre a mesa, preenchidos com o vocabulário vasto e as palavras infinitas que o djïnn cuspia em seus ouvidos.

A trava havia emperrado várias vezes, rasgando a folha que não conseguia acompanhar a velocidade das mãos e os dedos ágeis que afundavam nas teclas com precisão.

Mas Chris não se importava, afinal a voz do djïnn poderia parar quando quisesse.

Christopher se sentava na escrivaninha e só o que precisava fazer era escutar a voz do djïnn que começava a falar em sua cabeça e escrever o que ele dizia.

Chris não questionava, apenas testemunhava e obedecia a voz, pois certas coisas não precisam ser explicadas.

Deixaria a revisão para mais tarde e enviaria assim que pudesse, o que certamente daria muito trabalho para a concorrência, principalmente para os seus editores.

Sua vida estava ali, escrita de tinta naquelas páginas onde tudo fazia sentido.

Seu mundo de folhas brancas e palavras impressas havia sido devolvido de volta, não importava os meios para isso ou se precisasse ter feito um pacto com o diabo.

Afinal, o ser humano é egoísta e está sempre disposto a ter algo, mesmo que isso custe tudo.

O tempo passou, e os olhos pesaram de sonolência, com bocejos e sopros de ar saindo da boca.

Não demorou muito para adormecer na máquina de escrever, feito um embriagado ao aumentar a última dose.

Na manhã seguinte, Christopher ficou surpreso com a quantidade de saliva ao acordar.

Era tanta, que fora ao banheiro se livrar de toda baba, aproveitando a ocasião para lavar e se trocar.

Por dias, Chris ficava trancado dentro de seu escritório na casa da estrada, saindo apenas para as necessidades básicas.

As visitas até a cidadezinha não aconteciam, suas compras e comida eram entregues com antecedência na porta de sua residência.

Estava sempre ocupado, confinado em seus aposentos, sendo acompanhado pela voz do djïnn que falava o que deveria escrever.

Mas assim como toda dádiva divina que caia do céu, agora viria o martírio.

E o preço a ser pago começou a ser cobrado.

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