Capítulo IV - A floresta cinza e sangrenta

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O cheiro de queimado e a atmosfera densa ardia meus pulmões. Nem foi preciso abrir os olhos para saber onde estava, mas quando observo o ambiente ao meu redor, se torna definitivo minha conclusão. Árvores se erguiam do chão como mãos esqueléticas e amedrontadoras. Os galhos, se movendo conforme o vento, particularmente não acharia estranho, se ao menos houvesse algum vento. Os movimentos muito mais... "precisos", como se tivessem consciência. Dando um ar sinistro e opressor. Era como se a natureza tomasse vida, mas permanecesse para sempre no limiar entre a vida e a morte. Por alguma razão que não sei explicar, um súbito questionamento me veio a mente e fiquei de frente para uma delas, aproximando a mão lentamente de seu tronco. A textura da madeira era áspera, contudo, quanto mais toques em seu tronco acinzentado, mais a superfície se desfazia como se feito de cinzas. A floresta me deixava intrigada e ao mesmo tempo angustiada, a todo momento, sentia olhos sobre mim, vindo de todos os lados. Observei melhor a árvore e notei que, em seu tronco, um buraco em espiral havia se formado há alguns metros acima de mim, como se um galho houvesse sido cortado fora, do centro dessa espiral, uma gota avermelhada surgiu e escorreu pelo tronco acinzentado. Logo, jorrava constantemente um líquido espesso e que contrastava com o restante do cenário melancólico. A atmosfera daquele lugar me fazia sentir em um dos filmes dos anos quarenta, ou trinta, – Mesmo que na verdade eu nunca nem tenha assistido um único filme em minha vida – enquanto a seiva se destacava de tal forma, que parecia estar pintando o cenário, colorindo-o de seu carmesim tão vermelho quanto sangue.

Os galhos tortos e medonhos, aos poucos, se desmanchavam e caiam lentamente, cobrindo o chão, como em uma chuva de fuligem. Este certamente é o local mais deprimente que eu poderia sonhar, e também o mais assustador.

Desde que me entendo por gente, sempre tive sonhos esquisitos e pesadelos que levam a sério o sentido da palavra. Nem mesmo em meu momento de descanso, eu poderia ter paz. Claro que não. Entretanto, por conta das incontáveis vezes que tive quase que o mesmo sonho – ou pesadelo –, consigo perceber facilmente quando estou dormindo, exatamente como dessa vez. O cheiro de madeira queimada e sangue se alastrava por toda a floresta e invadia meus pulmões com tanta ferocidade, que as vezes tinha de me lembrar de respirar mais que o comumente. Fazendo disso um esforço tamanho que em nenhum momento entro no piloto automático, tenho sempre de estar no controle e chega a ser desesperador.

O lado bom disso tudo, é estar ciente da situação e prosseguir da forma correta; olhar para trás.

Um senhor de idade, vestindo roupas um pouco simples e surradas caminhava em minha direção. Seus olhos vermelhos e sinistros, de pupila branca, me davam calafrios. O homem me encarava com uma expressão vazia, porém com um ar de fúria o envolvendo. Algo que nunca havia presenciado antes. Silencioso, ele seguia em passos lentos, tão lentos que pensei por um momento se tratar de um zumbi ou coisa parecida.

De repente, o céu, antes coberto por nuvens escuras e tristes, agora tomava uma cor vibrante de tom avermelhado. Uma enorme lua de sangue surgia no céu e parecia ficar maior a cada instante. Fiquei paralisada por um momento, vislumbrando seu crescimento. Admirava sua beleza e sua luz que banhava a floresta e os céus de vermelho, porém, nesse caso, parecia ser de um tom mais bonito, o mais lindo que já vi em toda minha vida. Quando me dei conta, a lua já estava próxima até demais, a grande esfera vermelha engolia tudo o que surgisse em sua frente, sugava para dentro de si o mundo e eu era a próxima. Quase que ao mesmo tempo, uma dor aguda surgiu do lado esquerdo do meu peito, próximo ao coração. Instintivamente massageei na tentativa de aliviar, mas fora em vão. Sentia-o pulsar cada vez mais rápido. Um medo irracional me tomou por completo. O medo da morte. 

Virei de costas para o homem e corri em meio a mata. As árvores se desfaziam mais rapidamente, cobrindo o chão e formando uma estranha superfície. Meus pés afundavam alguns centímetros abaixo da dela, e em meio a corrida, se tornavam cada vez mais difíceis de levanta-los novamente. Meu peito ardia, enquanto a cada passo, os músculos das minhas pernas pareciam fritar e pra piorar, uma neblina espessa surgiu de repente, mal conseguindo enxergar o que estava a minha frente. Então, em um passo em falso, acabo por cair ao chão.

Eterno Retorno - Linhas do tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora