Eterno Retorno - Linhas do tempo

Capítulo V - Um encontro desagradável

Durante aquela manhã, me encontrei com Isaac após a limpeza, pouco antes da primeira aula. Conversamos um pouco sobre os últimos dias. Ele chegou até a perguntar se Luiz e Madison haviam voltado a me importunar e respondi que não. Algo que deve ser dito aqui, é que no dia seguinte à que roubaram minha carta, Isaac se lembrava de tudo o que aconteceu enquanto era Alan. Ou seja, a cabana do velho guarda florestal, ele ter me abraçado e tudo o que contei para ele naquela noite. Ele se lembrou de tudo. Eu não tinha parado para perceber até então, mas tudo o que acontece, não importando quem esteja no comando. As memórias permanecem. Ao mesmo tempo, não é como se ele notasse que "muda de personalidade". Sempre que penso sobre, sinto uma estranheza... uma sensação desconfortante.

O sinal tocou e fomos juntos para a sala de aula. Toda a grade de aulas haviam sido reformuladas. A maioria das que envolviam artes marciais aconteciam durante a manhã e algumas se repetiam durante a tarde. Isso para se adaptar melhor ao tipo de aluno, tem pessoas que não conseguem acordar muito cedo e não possuem muita energia depois que acordam. Eu pelo menos, prefiro de manhã.

Após pensar bastante sobre qual delas escolher, cheguei a uma conclusão que pode parecer inesperada, mas tem uma razão.

Um dos nossos recentes professores. O Professor Theodore de artes cênicas sempre traz consigo para suas aulas; objetos, itens, materiais de modo geral que possa nos ajudar a criar algum ambiente para poder interpretar. Mesmo que eu tenha muita vergonha de atuar na frente dos outros, adoro suas aulas. Theodore é um dos melhores professores do orfanato juntamente com Aurora, são os únicos que me tratam bem de verdade. Ele é muito atencioso e gentil.

Alguns dias atrás, enquanto estávamos montando um cenário meio florestal, misturado com ruinas. Encontramos em meio a vários itens dentro da caixa, luvas de boxe. De longe, o professor arregalou os olhos no momento que nos viu com ela em mãos e parecendo um lunático, ele a tomou de nós e se afastou, como se nós fossemos roubar algo tão precioso, como luvas velhas e que estavam quase descascando. Depois que se acalmou, ele pediu desculpas pela grosseria e disse que provavelmente a colocou em meio aos itens do cenário, por acaso.

– Pertenceu a um dos maiores pugilistas que esse mundo já viu. – Dizia ele, orgulhoso – Ele era uma maquina. Uma besta enjaulada. Derrubava oponentes muito maiores do que ele. Mas, ele não se deixava abalar. Um soco. – Ele dizia, golpeando o ar e sorrindo, como se a nostalgia batesse em sua porta. Dava para sentir sua empolgação – Ele só precisava de um soco e seu oponente desejaria nunca ter pisado no ringue.

Theodore colocava as luvas envolta de seu pescoço e parecia contemplar toda a importância histórica que tinham. Era nítido o valor emocional que ele tinha por elas e pelo esporte, seus olhos brilhavam.

– Ele foi e ainda é uma das minhas maiores inspirações. Se eu não fosse professor, com certeza seria pugilista. – Seus olhos brilhavam, enquanto falava – Inclusive, ele também se inspirou em outra lenda... Uma lenda criando outra lenda.

Ele continuou contando suas histórias até que o sinal tocasse.

Vez ou outra, durante suas aulas, ele mencionava lutas e histórias sobre seu grande lutador. Eu nunca soube seu nome, o professor nunca chegou a mencionar. Mesmo assim, claramente ele foi um grande astro do boxe e eu gostaria de poder assistir ou ao menos ler algo sobre um dia.

Infelizmente o orfanato nunca teve verba para comprar uma televisão ou eletrônicos do tipo. O diretor sempre dizia que crianças não precisam de nada além de livros para se entreter e aprender. Ainda sim, não sei a razão para não recebermos jornais. É muito raro conseguirmos informações do mundo a fora.

É como se estivéssemos isolados do mundo, e as vezes, isso da medo. Muito medo. Se o mundo acabasse e tudo o que restou foi esse lugar? Eu teria de viver o restante da minha vida aqui? Com pessoas que não quero conviver?