Prologo

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Luiz Otávio:

Não lembro quando comecei a dar sinais de que era gay. Acho que desde muito novo, mas era confundido como 'coisas de criança'. Tenro engano.

Meu pai era um homem bruto da roça, assim como seu pai, meu avô. Apesar disso, ele nunca utilizou de força para impor medo. A sua forma de ensinar era mais pautada no diálogo e na confiança que depositava em mim. Por isso não esperava o tapa que me deu ao me encontrar na porta de casa com 2 kg de pó na cara. Foi tão rápido e potente. Quase como um raio que vem sem se esperar na tempestade.

Mesmo após 10 anos do acontecido, ainda sinto o peso da sua mão e a ardência do local onde recebi o tapa.

"Homem é homem! Onde já se viu isso?" Esbravejou ao passarmos pela sala de casa. O chapéu de cowboy o deixava ainda mais ameaçador.

Os poucos funcionários foram saindo do lugar com medo da reação do patrão. Os odiei naquele momento. Jurei a mim mesmo que um dia me vingaria daqueles imundos.

Jogado no sofá da sala, desatei a chorar como nunca havia chorado. Escondendo-me de mais alguma agressão, que felizmente meu velho me poupou após o primeiro tapa.

"Tira isso do seu rosto, garoto. Homem não usa maquiagem", disse com o dedo apontado na minha direção.

Assustada com os berros do marido, minha mãe veio ao meu auxílio. Ainda perdida com toda a cena, me aconchegou em seus braços. Pude ver seu olhos assustados ao perceber o vermelho na lateral do meu rosto e a maquiagem borrada pelas lágrimas que desciam pela minha face.

"Homem do céu. O que você fez?", ela perguntou após fazer um carinho no local avermelhado.

"Olha pro rosto dele, Marina. Isso é maquiagem. Onde já se viu isso?", meu pai andava de um lado para o outro. Estava impaciente.

"Oh, meu menino lindo. Por que? Eu disse pra você não deixar seu pai ver", falou baixinho. Minha mãe sempre soube que eu era diferente. Sabia que era mais delicado que o resto dos garotos da minha idade. "Vai para o seu quarto, me ouviu? Deixa que eu cuido do seu pai".

Um pouco tonto pelo tapa e por ser um pouco rechonchudo, fui para o meu quarto. O lugar onde podia ser eu mesmo, sem ter medo de ninguém me zoar por ser gordinho e um afeminado.

Após esse incidente, a relação com meu pai foi piorando. Percebia a tristeza estampada nos olhos da minha mãe ao nos ver tão distantes um do outro, como se não fôssemos pai e filho. O respeito e admiração que tinha por ele, se tornou medo e indignação. Até não se tornar nada. Tudo isso em um período de 2 anos.

"Ele é seu filho, José, é o nosso menino! Vocês parecem dois estranhos nessa casa", ouvi os dois conversando certa noite.

"Estou fazendo meu papel de pai, Marina. Esse menino tem que aprender a ser homem!" Disse o meu pai.

Se em casa as coisas estavam indo de mal a pior, na rua era outro desafio. Um garoto "diferente" em uma cidade atrasada do interior, me tornava um alvo fácil das gozações dos colegas da escola. Pedro, Fabrício e Roberto eram os piores de todos. Zoavam meu jeito de falar, a minha forma de vestir, o meu corpo gordinho e incomum para um adolescente da minha idade. Basicamente, era um mar de sensações ruins para a cabeça de um adolescente. Esses vários acontecimentos me levaram a fazer o que fiz, e que sinceramente, não me arrependo.

"Como assim vai embora? Você só tem 16 anos, filho. É o seu pai? É na escola? Eu posso conversar com a diretora da escola e...", minha mãe parou assim que a abracei. Eu a amava de verdade.

"Não. Não precisa, mamãe. Eu quero ir. O tio Carlos falou que eu posso ficar com ele. A senhora confia nele. Juro que venho te visitar sempre que tiver tempo", prometi.

Acho que aquela foi a maior mentira que contei em toda minha vida. Nunca voltei para aquela fazenda no coração do Mato Grosso. Tive 10 anos para fazer isso, mas nunca o fiz. Nem mesmo quando meu pai adoeceu. Nem mesmo quando implorou para vê-lo no hospital. E, muito menos, no dia que faleceu. Eu não consegui. Era fraco.

Para muitos havia me tornado um cubo de gelo ambulante. Um ser arrogante, sem escrúpulos e mal amado — como muitos na empresa gostavam de dizer.

Aprendi a ser um homem dos negócios. Meu tio me ensinou tudo o que sabia, sendo um verdadeiro mestre. Era uma espécie de executor da empresa que ele fundou do zero. Os funcionários aprenderam a temer a minha presença nos corredores. O anjo mal, era o novo apelido além de boneco de gelo.

As coisas estavam indo bem, não precisava sentir e nem transparecer o meu verdadeiro eu. Precisava ser apenas um rostinho adorável que aplicasse as regras do patrão, sem ao menos titubear e fraquejar. Não me importava o motivo e as desculpas esfarrapadas dos empregados, queria resultado, e esse era o meu único objetivo.

Tudo caminhava bem, até que...

"Preciso de você, filho! A sua mãe sente sua falta, meu amor. Não tem um dia que não penso no meu menino que fugiu dos meus braços. Estou velha e sozinha nesse lugar. Não quero morrer sem ver meu menino lindo", minha mãe utilizou do meu lado emocional. Se fosse outra pessoa, provavelmente não obteria resultado de verdade. Mas não. Ali era a única pessoa que realmente nutri um sentimento verdadeiro, e não poderia negar algo a ela. Mesmo que tenha passado tantos anos me escondendo em uma carcaça gélida e sem emoção.

E, graças ao pedido da minha mãe, aqui estou eu. Um novo Luiz Otávio, 10 anos mais velho, com meus 26 anos de idade, prostrado na frente da casa principal da fazenda dos meus pais, sem coragem de dar mais um passo. Como disse, era um fraco. Meu desejo era voltar para o carro e dirigir até o meu apartamento onde me sentia seguro. Era o único lugar que podia desabar e chorar.

15 dias, Luiz Otávio. 15 malditos dias!

Isso, só precisava aguentar esse tempo. Era o acordo que fiz com minha mãe. Passaria esses dias com ela e voltaria o mais rápido possível para a minha vida robótica e cinzenta.

Continua..

Meu cowboy - Gelo e FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora