Luiza
O expediente finalmente terminou, mas a tensão ainda pesava nos meus ombros. Depois de horas elaborando o plano para resgatar a filha do prefeito, minha mente estava a mil. Não importava o quanto eu tentasse, não conseguia afastar a sensação de que algo estava prestes a dar errado.
Passei pelo saguão da delegacia improvisada e segui para o estacionamento. O ar da noite estava quente e úmido, típico do Rio de Janeiro. Meu corpo clamava por descanso, mas minha mente ainda estava presa à missão. Tudo o que eu queria era chegar em casa, tomar um banho quente e tentar dormir um pouco antes que o sol nascesse novamente.
Entrei no carro e tentei ligar o motor. Nada. Tentei de novo, mas o som do motor recusando-se a funcionar foi a única resposta que obtive. Bufei, frustrada. Isso era tudo o que eu precisava no final de um dia como esse. Revirei os olhos e bati levemente no volante, como se isso fosse ajudar de alguma forma.
Pensei em chamar um guincho, mas logo descartei a ideia. Isso levaria horas, e eu só queria ir para casa. Peguei o celular, pensando em pedir um Uber. Era tarde, e o estacionamento estava quase deserto, com apenas alguns carros restantes. Fiz o pedido, mas a espera parecia interminável. Nenhum motorista aceitava a corrida.
O silêncio ao meu redor começou a me incomodar. A rua em frente à delegacia era mal iluminada e deserta àquela hora da noite. Não era o tipo de lugar onde você gostaria de ficar sozinha por muito tempo. Comecei a me sentir desconfortável, uma sensação de vulnerabilidade que eu não experimentava com frequência.
Foi então que ouvi o som de um motor se aproximando. Virei a cabeça instintivamente, o coração batendo um pouco mais rápido. Um carro se aproximava devagar, os faróis iluminando a rua escura. Por um momento, meu instinto foi o de ficar alerta, pronta para qualquer eventualidade. Mas, quando o carro se aproximou mais, reconheci o veículo. Era o carro de Nascimento.
Ele parou ao meu lado e abaixou o vidro, me observando com aquele olhar penetrante que parecia sempre estar avaliando cada movimento meu.
“Problema com o carro, detetive?” Ele perguntou, com a voz calma, mas carregada de um deboche inegável.
Suspirei, tentando manter a compostura. “Sim. Parece que o motor resolveu parar de funcionar justamente agora. Mas estou resolvendo, já pedi um Uber.”
Ele olhou para a tela do meu celular por um breve momento, onde ainda mostrava a mensagem de “Buscando Motorista”. Era como se ele soubesse que eu estava tendo problemas para conseguir uma carona. Em vez de dizer algo imediato, ele apenas assentiu lentamente, como se estivesse considerando suas opções.
“Está tarde. E essa rua não é exatamente segura à noite”, ele finalmente disse. “Posso te dar uma carona.”
A oferta era inesperada, e embora houvesse uma lógica inegável em aceitá-la, algo dentro de mim me fez recusar. Talvez fosse o orgulho, ou talvez eu simplesmente quisesse manter uma certa distância entre nós, evitar complicações desnecessárias.
“Obrigada, Capitão, mas eu estou bem. O Uber deve chegar em alguns minutos.” Tentei soar firme, mesmo que parte de mim soubesse que minha teimosia poderia estar me colocando em uma situação desconfortável.
Ele não respondeu imediatamente. Apenas me olhou, aquele olhar indecifrável que sempre me deixava com a impressão de que ele via mais do que eu gostaria de mostrar. Depois, sem outra palavra, ele assentiu e seguiu em frente, o carro desaparecendo na escuridão.
Fiquei ali, sozinha novamente, esperando que algum motorista finalmente aceitasse a corrida. Mas, conforme os minutos se passavam e o silêncio se tornava mais pesado, comecei a me arrepender de ter recusado a oferta de Nascimento. A rua parecia mais escura, o ar mais denso, e a sensação de estar sozinha começou a pesar.
Outro carro apareceu ao longe, seus faróis cortando a escuridão. O som do motor era familiar. Fiquei parada, esperando que passasse, mas então ele desacelerou e parou ao meu lado novamente.
O vidro abaixou, revelando o rosto impassível de Nascimento. Ele não parecia surpreso ao me ver ainda ali. Era como se soubesse que eu não teria conseguido resolver a situação sozinha.
“Detetive, entra no carro”, ele disse, sem deixar espaço para discussão. Seu tom era firme, mas não agressivo. Apenas uma constatação de que aquilo era o melhor a ser feito.
Por um momento, quis recusar novamente, mas a verdade é que eu já estava cansada e exausta demais para continuar a resistir. Olhei para ele, tentando ver se havia algum sinal de impaciência ou irritação. Não havia. Apenas aquele olhar sério e constante que parecia dizer que ele não iria a lugar algum até que eu aceitasse.
Cedi. Sem dizer uma palavra, abri a porta e entrei no carro. O cheiro de couro novo misturado com o cheiro do perfume intenso e amadeirado do Nascimento era pertubamente bom. O silêncio entre nós era palpável, mas não era desconfortável. Na verdade, havia algo quase... seguro em estar ali, mesmo que eu nunca admitisse isso em voz alta.
“Obrigada”, murmurei finalmente, sem olhar diretamente para ele.
"06 pode liberar o trânsito, peguei ela" ele fala no walkie talkie com a maior calma do mundo e começa a dirigir.
Durante o caminho, não falamos muito. Eu indicava as direções e ele seguia, o som suave do motor preenchendo o espaço entre nós. A cidade passava por nós como uma sombra, e por um momento, tudo o que eu podia pensar era que, talvez, trabalhar com Nascimento não fosse tão impossível quanto eu imaginava. Mesmo que ele fosse teimoso e eu, obstinada, talvez houvesse um equilíbrio a ser encontrado ali.
Quando finalmente chegamos ao meu prédio, ele parou o carro e me olhou de forma intensa mais uma vez.
“Cuide-se, detetive”, ele disse, seu tom baixo com uma piscadinha, mas com um peso que não poderia ser ignorado.
Saí do carro e fiquei ali por um momento, observando enquanto ele se afastava na noite. Algo me dizia que isso era apenas o começo de uma parceria que, de uma forma ou de outra, mudaria muito mais do que apenas nossas carreiras.
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O peso da farda
FanfictionNo Rio de Janeiro quem quer ser policial tem que escolher: ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra. Ser tenente coronel da polícia militar do estado campeão em violência me parece ser suficiente pra declarar a minha escolha: é guerra, parceir...