Capítulo 1

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Era novembro, faltavam exatos 56 dias para o Natal e eu havia fugido de Lisboa. A empresa em que trabalhava estava me sugando; meu chefe era mesquinho, achava-se bom demais e os funcionários, inclusive eu, sempre ruins demais. Ele também era meu noivo, uma situação que eu mal conseguia mais suportar. Sabia que alguns colegas queriam tomar meu lugar, e eu estava preso em um noivado que não queria mais. Meus pais adoravam ele e me pressionavam a casar logo, mas na primeira oportunidade que tive, eu fugi. Não era uma fuga real, mas em espírito, era, afinal, só de imaginar que passarei quase dois meses fora, já me fazia sorrir de novo.

Eu tinha 30 dias para uma campanha de Natal e mais 23 para que ela estivesse pronta para o grande dia. Kaique, meu chefe e noivo, estava aos nervos, em busca de algo inovador, enquanto eu só queria paz para continuar a viagem de três horas de trem até Esperança, no norte de Portugal. O clima estava ameno; as temperaturas logo mudariam drasticamente, mas novembro ainda me presenteava com alguns dias quentes.

Meu celular tocava pela quarta vez em uma hora. Kaique, ao que parecia, não sabia fazer nada sem mim. Eu estava exausto! Cada toque era um lembrete do peso que eu carregava, mesmo a quilômetros de distância. Kaique era um bom homem, atencioso e carinhoso quando queria, mas como chefe, ele era rude e mesquinho. Roubar minhas ideias para se destacar na linha de frente se tornara um hábito, o que aos poucos fez com que eu começasse a vê-lo de outra forma.

Tecnicamente, não era à toa que a cidade se chamava Esperança. Eu só queria dias sem internet, um sol leve queimando minha pele, e bons vinhos para descansar minha mente e, assim, criar algo bom para o Natal. Enquanto esses momentos não chegavam, evitava atender as ligações de Kaique e focava num episódio de Sex and the City, tentando me perder nos dramas de Nova York enquanto fugia dos meus em Lisboa. Será que Carrie teria suportado um chefe como Kaique? Provavelmente, ela teria mandado ele às favas, escrito uma coluna brilhante sobre isso e seguido em frente com seus Manolos e uma taça de cosmopolitan. Eu, por outro lado, estava preso num trem, a caminho de uma pequena cidade, tentando entender onde minha vida havia saído dos trilhos.

O leve tremor do vagão me trouxe de volta à realidade. A paisagem do lado de fora era um borrão de campos e colinas, intercalados por pequenas vilas que pareciam saídas de um postal. O murmúrio baixo de conversas e o som suave das rodas do trem sobre os trilhos criavam um ambiente quase hipnótico, perfeito para me perder em pensamentos — mas, desta vez, eu queria estar presente. Respirei fundo e olhei ao redor. Ao meu lado, um casal idoso trocava histórias e risadas, como se o mundo lá fora fosse apenas uma distração passageira. Mais à frente, uma criança olhava pela janela com olhos curiosos, o reflexo de seu rosto cheio de fascínio no vidro, como se estivesse descobrindo o mundo pela primeira vez. Eu me acomodei melhor no assento, sentindo o leve balançar do trem sob mim, e pela primeira vez em semanas, senti uma calma verdadeira se aproximar.

As horas foram passando, e a paisagem se moldava em colinas e vales, com poucos vilarejos e casas perdidas no meio de árvores. O verde intenso das árvores contrastava com as núvens do céu, criando um cenário que parecia saído de uma pintura. O trem seguia em seu ritmo constante, e cada curva revelava uma nova faceta da paisagem, como se a natureza estivesse desvendando seus segredos aos poucos.

À medida que a tarde avançava, o sol começava a se esconder por trás das montanhas, lançando uma luz suave e dourada sobre os campos. Era lindo de se ver e diferente das paisagens urbanas que Lisboa proporcionava.

O trem desacelerou gradualmente, o som das rodas sobre os trilhos transformando-se em um sussurro suave enquanto nos aproximávamos da estação de Esperança. A viagem havia sido longa, mas de alguma forma, eu sentia que o tempo tinha passado depressa demais. Quando o trem finalmente parou, peguei minha bagagem e me preparei para descer.

A porta se abriu com um rangido, e uma lufada de ar fresco e frio entrou, me envolvendo. Desci os degraus de metal, e meus pés tocaram a plataforma de pedra antiga. A estação de Esperança era pequena e charmosa, com um ar de nostalgia que parecia capturar um tempo passado. Uma placa simples e desgastada pelo tempo exibia o nome da cidade em letras desbotadas.

O lugar era silencioso, exceto pelo som ocasional de passos ecoando pela plataforma e o sutil murmúrio das poucas pessoas que aguardavam a chegada de outros trens. A estação estava rodeada por árvores altas, cujas folhas caíam suavemente, flutuando até pousar na terra úmida. Havia algo reconfortante nesse cenário: a simplicidade da estação, as montanhas que se erguiam ao fundo, e o céu agora tingido de laranja e rosa pelo pôr do sol. De longe avistei um senhor de cabelos grisalhos e bem arrumado, se encontrava sentado em um banco de madeira, sua cabeça estava pendida e ao seu  lado havia uma mala junto a uma bengala, talvez estivesse morto ou cansado de esperar, mas o que me chamava atenção era as pessoas não perceberem ele alí.

Caminhei pela plataforma em direção à saída, passando por um pequeno café aconchegante com mesas de madeira do lado de fora. Algumas pessoas sorriam umas para as outras, em uma rotina que contrastava completamente com a agitação da cidade grande. Senti um leve arrepio de expectativa, o tipo de sensação que surge quando se sabe que algo novo está começando. Respirei fundo, sentindo o ar fresco encher meus pulmões, e por um momento, o peso de Lisboa parecia distante.

Pausa Para O AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora