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O sol mal tinha nascido quando me levantei. A casa estava mergulhada na penumbra, com as sombras alongadas pelo fraco brilho que entrava pelas janelas. O cheiro de terra molhada e café fresco preenchia o ar, um cheiro familiar, mas que não trazia consolo. Eu segui os sons dos passos da avó na cozinha, movendo-se rapidamente entre o fogão e a mesa.— Emy, você já acordou? — A voz dela cortou o silêncio, fria e direta.— Sim, vovó. — Respondi, tentando parecer animada, mas minha voz saiu mais como um sussurro.— Venha, o café está quase pronto. Depois, há galinhas para alimentar e a horta precisa ser regada.Eu acenei, sabendo que ela não se importava em me ver assentir. Minha rotina era sempre a mesma, dias cheios de tarefas e noites cheias de medo. Peguei minha boneca, Rosa, do canto da cama. Seu vestido azul estava desbotado, mas ela ainda era minha companheira fiel. Não importava o que acontecesse, Rosa estava sempre ali, ouvindo meus segredos que ninguém mais podia escutar.Na cozinha, sentei-me à mesa, observando a avó colocar a comida no prato. Ela evitava meus olhos, como sempre fazia. Eu não sabia ao certo por quê, mas algo no jeito que ela me tratava sempre me deixava desconfortável, como se eu fosse um fardo.— Vovó… — Comecei a falar, mas minha voz falhou. Eu queria perguntar sobre meus pais, sobre por que nunca falavam deles, mas o medo de incomodá-la me fez parar.— O que foi, Emy? — Ela perguntou, com a testa franzida, sem desviar os olhos do fogão.— Nada. — Respondi rapidamente. Ela suspirou, como se estivesse aliviada por eu não continuar.Eu comi em silêncio, o som dos talheres no prato era a única coisa que preenchia a sala. Meu estômago estava apertado, não pela fome, mas pela sensação de algo errado, algo que não sabia expressar.Depois do café, fiz minhas tarefas, movendo-me como um robô, como ela dizia. As galinhas cacarejavam, impacientes por sua ração, e a horta estava seca, esperando a água. Mas minha mente estava em outro lugar, nas palavras que nunca eram ditas, nos segredos que eu escondia até de mim mesma.Quando o sol começou a se pôr, a ansiedade começou a crescer em meu peito. Ele chegaria logo. Meu tio materno, sempre trazendo presentes que eu nunca pedia. Eu não queria vê-lo, mas não havia como evitar. O silêncio da fazenda se tornava opressor quando ele estava por perto, como se até os pássaros soubessem que algo sombrio estava para acontecer.— Emy, venha cá. — A voz da avó me chamou da sala. — Seu tio estará aqui em breve. Ele trouxe algo para você. Tente parecer feliz.— Sim, vovó. — Eu disse, engolindo o nó na garganta.Quando ele chegou, o ar parecia mudar. Ele me abraçou, um abraço que me fez querer desaparecer. Seus olhos me observavam de uma maneira que me deixava desconfortável, mas eu mantive o sorriso forçado no rosto.— Como está, minha querida Emy? — Ele perguntou, sua voz profunda ecoando pela sala.— Bem, tio. — Respondi, tentando não tremer.— Que bom. — Ele disse, apertando meu ombro com uma força que me fez morder o lábio para não gritar.A avó observava de longe, sorrindo, sem perceber o que estava acontecendo. Ou talvez ela percebesse, mas não queria ver. Eles nunca viam. E, naquela noite, como todas as outras, eu sabia que não haveria ninguém para me salvar quando ele viesse ao meu quarto.

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