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A noite chegou, envolta em sombras que pareciam engolir a casa inteira. Eu estava deitada na cama, apertando Rosa contra o peito. Ouvia os passos pesados do meu tio ecoando pelo corredor, se aproximando cada vez mais. Meu coração batia forte, tão forte que parecia que ia pular do meu peito. Fechei os olhos com força, tentando fingir que estava em qualquer outro lugar, menos ali.— Emy… — A voz dele era um sussurro que fez meu corpo inteiro se encolher.Eu não respondi. Fingir que estava dormindo sempre era a minha melhor defesa, mas eu sabia que não funcionaria. Senti a cama afundar quando ele se sentou ao meu lado, sua mão áspera tocando meu ombro.— Sei que você não está dormindo, minha querida. — Ele murmurou, sua respiração quente em meu pescoço.Rosa escorregou dos meus braços e caiu no chão, seus olhos de vidro refletindo a luz fraca que entrava pela janela. Eu queria gritar, correr, mas meus músculos estavam congelados, paralisados pelo medo. Sua mão deslizou pelo meu braço, e eu lutei contra o desejo de empurrá-lo, de fazer algo, qualquer coisa.Foi então que ouvi. Uma voz suave, quase como um sussurro, mas não era dele. Era dentro da minha cabeça.— Não tenha medo, Emy. Ele não pode te machucar se você não deixar.Era uma voz diferente da minha, mas ao mesmo tempo, parecia tão familiar. Como se fosse parte de mim, uma parte que eu não conhecia até agora. A voz continuou, suave, mas insistente.— Você não está sozinha. Eu estou aqui com você. Juntas, podemos enfrentar isso.Eu sabia que algo estava errado. Essa voz não deveria estar ali, mas ela me trouxe uma sensação estranha de conforto, como se, pela primeira vez, eu não estivesse sozinha. Eu não respondi, mas algo dentro de mim começou a mudar, a endurecer. Senti uma força crescer, uma raiva que nunca havia sentido antes.Meu tio continuava a sussurrar, suas palavras eram apenas ruído agora, ofuscadas pela voz em minha mente. E então, sem aviso, a voz se tornou mais forte, mais intensa.— Faça ele parar, Emy. Faça com que ele nunca mais toque em você.Minhas mãos, antes fracas e trêmulas, agora estavam firmes. Peguei Rosa do chão, e a segurei com força, como se ela fosse minha âncora. Eu não sei o que aconteceu depois disso. Tudo se tornou um borrão, uma mistura de medo e raiva, de dor e alívio.Quando a noite terminou, eu estava sozinha novamente. Meu tio havia ido embora, mas o que aconteceu naquela escuridão ficou gravado em mim, como uma cicatriz que nunca desapareceria. Eu sabia que algo havia mudado. E sabia que a voz voltaria, mais forte do que nunca.

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