Céu Sem Estrelas.

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E naquela noite, eu estava observando a cidade pela janela encardida do ônibus, pensamentos perdidos entre guerras e príncipes fantasiosos, intrigas ainda sem forma.

[Como uma criatura tola, a criança que éramos.]

Atrás de mim, um senhor do qual não vi o rosto e nem o reflexo começou a falar, não sei se comigo, não sei se com as vozes na sua própria cabeça, mas falava com firmeza.

[Não podíamos vê-lo, mas ele estava lá, falava conosco mesmo que não quiséssemos admitir.]

“Gosta das luzes, moça?” O senhor perguntou, não ocultando as origens humildes de seu sotaque.

[O sangue gelou de medos femininos, a luz dos postes insuficientes para as sombras da cidade.]

Não me atrevi a responder em voz alta, mas balancei a cabeça por educação, olhando para frente, para as luzes.

[Mas de nada ele tomou partido, mesmo com nossa resposta e óbvia insegurança.]

“Eu não. Porém, me pego observando elas.” Ele riu, e eu ri também, não da graça da qual ele ria, mas do tom de sabedoria na risada dele, uma surpresa. “Acho... Acho que elas são meu substituto para as estrelas que elas ofuscam.”

[O pensamento engatou como o carro no lamaçal que nós éramos. Está estagnado até hoje.]

E então, o senhor calou-se, como morto. Não ousei virar para trás para vê-lo, não sei se realmente esteve lá. Mas, sempre que me pego observando as luzes da cidade, olho também para cima, encontrando apenas o vazio de um céu sem estrelas.

[Não foi fácil entender o significado dessas palavras; na verdade, nós ainda queremos saber a resposta para a pergunta dele.]

Em silêncio, ancorei a cabeça na janela trêmula e barulhenta, ainda pensativa, o senhor desaparecendo de meus pensamentos, deixando apenas suas palavras.

[Será que nós gostamos das luzes?]

Todos Os Outros.

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