Case comigo

Londres 1877

Ethan Elliot

Cresci nas ruas de Londres, passando de um cortiço a outro, sempre à mercê das mudanças que a cidade impunha, cada novo avanço nos forçando a deixar para trás os poucos pedaços de telha que nos protegiam. Hoje, sou um dos homens mais ricos do que restou da outrora gloriosa "alta sociedade" - embora eu saiba bem que jamais serei visto como um dos seus.

No entanto, sinto-me mais miserável do que nunca. A felicidade que imaginei que viria ao conquistar uma conta bilionária se desfez em tédio. O brilho da conquista rapidamente se apagou, e o que restou foi um vazio onde deveria haver novidades e excitação. Agora, tudo o que desejo posso comprar: desde os mais luxuosos prazeres até uma esposa de boa família, considerando que muitos dos antigos senhores de terras estão à beira da falência. Mesmo sem sangue nobre, uma boa fortuna pode eclipsar qualquer outra coisa.

Sou arrancado dos meus devaneios por uma batida forte na porta. Uma cabeça quase completamente branca aparece na fresta.

- Senhor.

- Sim, Brisley.

Acomodo-me na cadeira.

- Chegou uma carta do lorde Heicliff, senhor.

Brisley deixou o envelope sobre a mesa de Ethan.

A curiosidade se instala na minha mente como malditos piolhos, forçando-me a levantar tão rápido que quase viro a cadeira.

- Do Visconde de Heicliff?

Brisley fez uma pequena reverência e se afastou em silêncio, deixando-me a sós com a correspondência.

"Lorde Helliot,

Tenho o prazer de convidá-lo para um baile noturno em minha residência amanhã.
Espero ansioso pela sua presença. O baile terá início às oito horas da noite.

Atenciosamente,

Visconde de Heicliff"

A alta sociedade se via obrigada a convidá-lo, mas ele nunca era verdadeiramente bem-vindo. O dinheiro comprava um lugar ao sol, mas não o respeito que ele desejava. Nas salas de visita, ainda era o tema da temporada, o assunto sussurrado por trás dos leques e das portas entreabertas: o selvagem semi-domesticado, um intruso que o ouro jamais transformaria em igual.

Mas eu aceitarei todo e qualquer convite, forçando-os a engolir o orgulho e a suportar minha presença.
Trabalhei muito para ser visto, reconhecido, e rico. Não deixarei que a desaprovação deles me tire o que conquistei.

Mais tarde naquele mesmo dia, Ethan decidiu sair para espairecer. Deixou seu escritório e atravessou o longo corredor adornado com quadros de artistas renomados e tapetes caros, que agora não lhe despertavam o menor interesse. Subiu as escadas iluminadas por um lustre luxuoso, pelo qual pagara uma pequena fortuna. A casa em si o agradava; já havia morado em lugares inabitáveis pela lógica sanitária.

Ao chegar em seu quarto, o valete já estava a postos. Ethan vestiu seu melhor terno e foi a um dos clubes mais disputados de Londres. Assim que entrou no clube, ouviu um comentário que chamou sua atenção.

- O Visconde de Heicliff está falido. Talvez a filha dele já esteja à venda - comentou o Conde de Yorkshire, em um tom carregado de malícia.

Aquela era a fofoca da vez. O Visconde, outrora respeitado, agora era mais conhecido por seus excessos nos jogos de aposta, o que o levou ao declínio de sua fortuna. As salas de visitas sussurravam sobre sua ruína iminente, enquanto ele tentava desesperadamente salvar as aparências.

No dia do baile, Ethan se barbeou cuidadosamente e vestiu seus trajes mais finos, escolhendo cada peça com precisão. Estaria impecável, sem oferecer a menor oportunidade para que falassem dele além do que já sussurravam pelas costas. Ele não daria margem para mais críticas. Se iriam comentá-lo, que fosse pela sua presença imponente e inabalável.