CAPÍTULO 2 - ALASTOR

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Enquanto outros garotos da minha idade viviam a simplicidade de uma infância normal, eu passava meu tempo em algo muito diferente. No auge de seu alcoolismo e descontentamento, meu pai decidiu que era hora de me ensinar a atirar.

Obrigado, papai, por me transformar no homem que você queria que eu fosse.

O sol ainda estava baixo quando meu pai me acordou. A manhã estava fria e silenciosa, e eu sentia um nó no estômago ao ver Alfred Kinsley, ao pé da minha cama, sua expressão impiedosa e o rifle a tiracolo. O cheiro de álcool que pairava no ar vinha de um copo cheio em suas mãos. Seu olhar era turvo e irritado, o qual eu conhecia bem.

— Chegou a hora de você virar homem, Alastor. — disse ele, enquanto tomava um gole de sua bebida.

Minha mãe, Abigail, apareceu na porta do quarto, os olhos cansados e preocupados. Ela tentou intervir, com a voz tremendo:

— Alfred, não acho que seja uma boa ideia. Alastor ainda é tão jovem...

Alfred virou-se para ela com uma expressão de fúria, e antes que eu pudesse reagir, ele lhe deu um tapa, fazendo Abigail cambalear para trás.

— Não se intrometa, Abigail! — ele gritou. — Fique fora disso se não quiser levar uma coça!

A cena me deixou paralisado. Eu sentia um medo profundo e uma raiva que me consumia. Ver minha mãe ser agredida me fez sentir desespero e impotência. Seus olhos, tão cheios de um sofrimento silencioso que eu não soubera como aliviar.
Alfred pouco se importou, e me empurrou porta a fora, rumo a floresta.
Saímos de casa e nos embrenhamos mata a dentro, onde a vegetação densa abafava os sons agitados da cidade.

Alfred não havia encontrado um bom emprego há meses. A fábrica onde trabalhava havia falido, e a crise econômica da época deixou muitos como ele em uma situação miserável. Sem trabalho e sem perspectiva, ele se afundou no álcool, tentando escapar de uma realidade cruel e inevitável.

Eu não o culpava por completo, mas a verdade é que ele sempre foi cruel, tinha prazer em ver o sofrimento e se deliciava com a dor. Ele sorria ao ver Abigail sofrendo e parecia se divertir com meu choro toda vez que chegava bêbado e a espancava. Mas o que realmente o fazia brilhar de satisfação era quando ele me agarrava pelo pescoço, me prensava contra a parede e sussurrava, com aquele sorriso doentio: "Você é um merdinha, Alastor, e sempre será!"— enquanto sentia o pulsar das minhas veias em suas próprias mãos.

Enquanto atravessávamos a floresta, Alfred caminhava com uma determinação sádica, seu passo firme e imponente, carregando seu rifle.

A floresta parecia mais sombria do que eu lembrava. As árvores, imensas e silenciosas, envolviam o caminho com uma sensação perturbadora. O frio cortante e o som ocasional dos galhos quebrando sob nossos pés eram o único contraste com o calor que emanava do corpo de Alfred, alimentado pelo álcool e pela raiva.

Finalmente, chegamos ao local de caça. Não demorou muito e Alfred ajustou o rifle e me entregou. Seu olhar era impiedoso, um reflexo da sua própria natureza. Sua presença não me deixava hesitar, se ele quisesse algo, ele conseguia de mim.

— Hoje você vai matar aquele cervo — disse ele, a voz dura — Se não atirar, a próxima bala será para você!

Eu, aterrorizado, segurei o rifle com mãos trêmulas, sentindo o peso das palavras e do que viria a acontecer.

— Segure direito! Ou vai errar o alvo. — ordenou ele, com um tom que não admitia contestação.

Meu coração acelerou. Eu sentia meu sangue zumbindo pelos ouvidos, ao mesmo que as mãos suavam. O cervo pastava silencioso ao longe, alheio ao trágico destino que o aguardava.

— Eu não consigo...

Ele se aproximou, sua voz se tornando um rugido.

— Você é um covarde! Se a bala não for no cervo, será na sua cabeça! Agora faça!

O medo tomou conta de mim. Fechei os olhos e apertei o gatilho.

Por um momento, imaginei a bala perfurando a cabeça de Alfred, e a ideia pareceu mais justa que tirar a vida do cervo.

O disparo ecoou na floresta, e o animal caiu no chão, atingido na lateral do abdômen. O tiro, não exatamente certeiro, perfurou sua barriga, causando uma ferida profunda, mas não letal.

O animal se contorcia enquanto o sangue começava a escorrer, quando Alfred pegou o rifle das minhas mãos e foi até o animal, arrastando-o pelos chifres indiferente à sua agonia. O cervo ainda estava respirando, e com um olhar impiedoso, Alfred me entregou uma faca.

— Dê o golpe final, Alastor. Acabe com o sofrimento dele.

Com as mãos tremendo e o estômago revirado, eu empunhei a faca e golpeei o animal no coração, sentindo o sangue quente escorrendo sobre meus dedos.

Alfred sorrio para mim, sádico, louco como sempre.

— Olhe só, não é tão inútil quanto pensei. — ele disse com satisfação. — Não hesite da próxima vez. Ou será você no lugar do cervo.

Por fim, ele arrancou um pedaço dos chifres do cervo e me entregou como recompensa.

— Lembre-se deste dia, Alastor — ele disse, dando-me uns tapas na cabeça. — Tal pai, tal filho.

Ascensão do Mal - Demônio do Rádio Onde histórias criam vida. Descubra agora