CAPÍTULO 3 - ALASTOR

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Era 1920, e Nova Orleans, outrora uma cidade vibrante e próspera, estava afundada em uma crise econômica que parecia sugar a vida das ruas. Os anos após a Grande Guerra haviam deixado cicatrizes profundas, e as promessas de prosperidade se dissiparam como o vapor dos barcos que navegavam pelo Mississippi.

Aos 17 anos, eu já havia atingido uma altura imponente de 1,80m, e meus cabelos castanho claros, que herdei de minha mãe, estavam sempre bem penteados, seguindo o estilo que os homens da época tanto valorizavam. Eu tinha começado a usar um pince-nez, um óculos pequeno que se encaixava no nariz. Gostava da maneira como ele complementava meu rosto, dava-me um ar se sofisticação, e apesar de não me importar tanto com as aparências, era conveniente que eu aparentasse um ar de poder e influência social.

A realidade ainda era praticamente a mesma, porém, foi nesse período que começou a se aflorar completamente um desejo, um sentimento que crescia dentro de mim, como uma ferida purulenta.

Matar.

Durante meses, minha única diversão era sair de noite para espairecer, e o rifle de Alfred tornou-se meu fiél companheiro durante as noites na floresta. Eu me escondia na escuridão para caçar e dissecar animais. A visão dos pequenos corpos, ainda quentes e pulsantes, enquanto eu explorava suas entranhas, me dava a sensação de poder, o que me era cada vez mais sedutora.

Os roedores e pássaros eram presas fáceis, mas cada captura era única, uma nova experiência sensorial. Eu observava o movimento dos músculos, o fluxo do sangue, o calor da vida se esvaindo em um último suspiro, e tudo se tornava palco de um vício, uma obsessão que eu não podia controlar.

Era como se houvesse uma parte de mim que se sentia atraída pelo mórbido, por ser o causador da dor e desespero alheio.

Ah... Mas a caçada não era suficiente; eu ansiava por algo maior, algo que intensificasse a sensação inebriante de poder. O desejo de sangue e de experimentar o pulsar da vida escorrendo pelas minhas mãos me consumia. Foi então que comecei a planejar algo maior e mais audacioso: uma presa que prometesse uma experiência ainda mais alucinante. Para isso, precisava aprofundar meu entendimento sobre o corpo humano, descobrir os pontos letais para causar um sofrimento verdadeiro e eficaz.

Comecei a passar mais tardes na biblioteca, mergulhado em livros sobre anatomia e ciências do corpo humano. Não era incomum para mim perder horas nos livros, mas naquele dia, algo estava prestes a mudar. Vincent Von Stein.

Eu estava com uma pilha de livros sob a mesa, perdido em meus pensamentos enquanto folheava as páginas de uma antiga enciclopédia humana.
O som constante de um rádio sintonizado em uma estação local preenchia o fundo da biblioteca, criando um ambiente que era ao mesmo tempo descontraído e típico. Foi quando Vincent se aproximou de onde eu estava sentado, chamando minha atenção.

— Está planejando se tornar o próximo cirurgião da cidade, Alastor? Ou isso é só um hobby? — perguntou ele, com uma ironia que revelava um tom de provocação.

Vincent carregava uma cicatriz no olho esquerdo, e apesar de termos trocado poucas palavras ao longo dos anos, eu sabia quem ele era, de onde vinha e o que sua presença representava.
Stein não era um simples colega de classe; ele pertencia a uma família nobre, uma das poucas que ainda mantinham suas conexões intactas, mesmo em tempos difíceis. Sua família tinha contatos importantes na cidade, especialmente no ramo das novas tecnologias que começavam a emergir. Isso, claro, lhe dava uma certa vantagem, uma que ele parecia ostentar com naturalidade.

Eu levantei os olhos, encontrando os dele enquanto ajustava os óculos no nariz, mantendo um ar de indiferença.

— Stein. Os exames estão chegando, afinal — respondi, sorrindo casualmente.

Vincent deu uma rápida olhada ao redor, como se avaliando o ambiente, antes de puxar uma cadeira e sentar-se à minha frente, brincando com uma caneta que encontrou sobre a mesa. Ele a girava entre os dedos com uma habilidade que indicava que fazia aquilo frequentemente.

— Sei como é. Mas, se você está tão interessado em anatomia, talvez possa me ajudar.

Eu observava a caneta rodopiar em seus dedos enquanto fechava o livro lentamente.

— Convenhamos, Stein, porquê eu te ajudaria?

Vincent sorriu com um toque de malícia, deixando a caneta cair suavemente sobre a mesa.

— Eu proponho um acordo. Se você me ajudar a entender esses tópicos complexos, eu posso te dar uma mão com algo no futuro. Pode ser qualquer coisa. Um favor que você quiser. — Ele fez um sinal apaziguador com as mãos, garantindo sua boa intenção.

Eu hesitei por um momento, ponderando a proposta, enquanto ajustava os óculos novamente. — Um favor, é? repeti, sorrindo de forma despretensiosa. — E que tipo de favor você está falando?

Vincent deu de ombros, ainda com um sorriso no rosto, recostando-se na cadeira.

— Não sei ainda. Algo que possa ser útil para você, talvez. Só precisa me lembrar quando chegar a hora.

Eu mantive o olhar fixo nele, considerando a oferta. Vincent parecia à vontade, como se já soubesse que eu aceitaria.

— Está bem, me convenceu. Parece justo. Começamos hoje, o que acha?

Stein estendeu a mão para um cumprimento, o sorriso ainda estampado em seu rosto.

— Fechado.

O aperto de mão selou o acordo. Enquanto começávamos a discutir os tópicos de anatomia, eu sentia que, de alguma forma, estava começando a abrir uma nova porta. Stein parecia ser uma chave para algo que eu ainda não conseguia definir, mas que, sem dúvida, poderia se revelar vantajoso em minha busca obscura.

Ascensão do Mal - Demônio do Rádio Onde histórias criam vida. Descubra agora