capítulo I

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Deitado sobre a mesa desgastada da sala de aula, meu olhar vagava pela janela, observando o sol se despedir do dia com seus últimos raios dourados. O sinal já havia soado há muito tempo, e a sala estava deserta, apenas eu e minha fiel companheira, a solidão. Com meros dez anos, órfão e vivendo de favor, eu me encontrava ali graças à piedade alheia, que me garantiu uma bolsa de estudos.

Embora me esforçasse para levar os estudos a sério, as dúvidas se infiltravam em minha mente. Será que realmente valia a pena? O que eu poderia me tornar? A sabedoria, por si só, seria capaz de mudar meu destino em um mundo onde apenas os herdeiros prosperam? Inspirando profundamente, levantei-me da cadeira, percorrendo a sala com o olhar. As lembranças dos colegas, sempre radiantes ao contar sobre suas viagens, presentes de aniversário ou as próximas grandes compras de seus pais, assombravam-me. Eu merecia essa felicidade?

Recolhi meus cadernos, colocando-os na bolsa, e comecei a caminhar em direção ao lugar que chamavam de "casa", uma palavra que para mim soava amarga e vazia.

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Ao atravessar a porta da frente, o relógio marcava dezenove horas. Subi as escadas em silêncio, como de costume. A casa estava mergulhada numa quietude total; Dona Izui já devia ter saído. Ela me acolhera em troca de serviços domésticos, uma barganha que eu aceitei sem hesitar, visto que qualquer coisa era melhor do que viver nas ruas.

Após um banho rápido, desci para a cozinha e preparei um pão com suco, o que me servia como uma modesta refeição. Perdi-me em pensamentos enquanto lavava a louça, até que um movimento súbito me trouxe de volta à realidade. Não percebi que alguém se aproximara. Na casa, além de mim, apenas Dona Izui deveria estar presente. Ao me virar, deparei-me com uma figura feminina que me observava silenciosamente. Ela tinha a pele pálida, olhos cor de mel e cabelos negros azulados que desciam até o quadril. Meu coração quase saltou do peito ao notar que ela se aproximava. Sem pensar duas vezes, corri para meu quarto, sem ousar perguntar quem ela era.

A realidade já me sobrecarregava com problemas suficientes, e sabia que, se Dona Izui não mencionara sua presença, certamente havia um motivo. Deitei-me no colchão, tentando afogar as preocupações no sono, o único refúgio onde podia encontrar uma felicidade ilusória. E assim, entreguei-me aos braços do esquecimento noturno, onde meus sonhos pintavam um mundo onde eu não era apenas um órfão, mas alguém que realmente importava.

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Pontualmente, como de costume, levantei-me às quatro da madrugada, guiado pelo rigor de minhas responsabilidades domésticas que precisavam ser cumpridas antes de ir para a escola. Desci rapidamente as escadas, com a mente já fixada na tarefa de completar meus afazeres o mais depressa possível. Hoje seria um dia diferente; teríamos uma excursão, e eu estava ansioso, quase eufórico. A escola era meu único refúgio, e qualquer oportunidade de escapar da rotina era um tesouro inestimável para mim.

Comecei varrendo e passando pano no chão, a urgência em meus movimentos refletindo minha ansiedade. Separei as roupas sujas e as coloquei na máquina de lavar. Felizmente, a louça já estava lavada desde a noite anterior, o que adiantava meu trabalho. Saí para o quintal e, com mãos ágeis, reguei o jardim e a horta, tirando o lixo e deixando tudo em ordem. Quando terminei, o relógio já marcava seis e quarenta e cinco. Sem perder um segundo, corri para me arrumar e sair.

O ônibus partiria às sete e quinze, e corri o mais rápido que pude pelas ruas ainda adormecidas, mas meus esforços foram em vão. Ao chegar ao ponto de encontro, vi apenas o vazio deixado pelo ônibus que já havia partido. A decepção desceu sobre mim como um manto pesado, e meu rosto não conseguia esconder o desânimo. Senti uma mão suave em meu ombro e me virei, encontrando o olhar compassivo da diretora Miranda Bowen.

Entre sombras e LembrançasOnde histórias criam vida. Descubra agora