III

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No dia seguinte, quando acordei, uma mescla de alívio misturada com uma pequena felicidade brotou nos meus lábios através de um sorriso. Não tinha treinos, nem planos, nem nada combinado, o que significava que poderia fazer o que quisesse durante todo o dia.
Num ato de desespero, dobrei o meu corpo sobre o sofá sem me preocupar com o facto de que poderia acordar Ashton- que se encontrava num sono profundo e numa posição estranha, ainda sentado - , peguei na mochila que levava às costas ontem à noite e apressei-me a abrir o seu fecho, pegar no meu telemóvel e desligá-lo, ignorando as chamadas e SMS que já lá estavam marcadas.

Totalmente aliviada, levantei-me e toquei no ombro do Ashton, fazendo-o abrir os olhos por momentos e deitar-se no sofá. Um gemido de dor e conforto final saiu pelos seus lábios que se encontravam separados um do outro e eu revirei os olhos à sua figura desleixada. Dirigi-me ao frigorífico da cozinha e retirei de dentro do mesmo uma garrafa de água pequena, que bebi num instante.
Voltei para perto dele e sentei-me no pequeno espaço de sofá que sobrava junto ao seu tronco, inclinei-me e beijei a sua testa, antes de voltar a chamar pelo seu nome.

"Diz"- foi a única coisa que ele conseguiu pronunciar através dos seus lábios. E era nestes momentos que sabia que nós éramos iguais. Fisicamente poderiam até dizer que não o éramos, e era verdade, mas tirando isso éramos um só. Desde pequenos fôramos habituados e educados a permanecer juntos e, por isso, nem mesmo depois de ficarmos sozinhos no mundo nos separámos um do outro. Na verdade, esse facto apenas veio para fortalecer a nossa relação e mostrar-nos, um ao outro, o quão essencial o outro era na nossa vida.

"Vou andando, qualquer coisa liga. " - disse, antes de me voltar a levantar e pegar na minha mochila. Depositei um último e rápido beijo na topo da sua cabeça antes de abandonar a sua casa.

O apartamento ao qual era obrigada a chamar de casa ficava a apenas 3 quarteirões de distância da casa do Ashton, pelo que não demorei muito tempo a chegar lá. Assim que abri a porta, um par de olhos capta a minha atenção. Fechei a porta atrás de mim e coloquei as chaves em cima de um pequeno e estreito móvel que se encontrava à entrada.

"Porque é que não vieste dormir a casa? "- perguntou-me e eu demorei momentos a tentar perceber se a sua voz transmitia fúria ou apenas confusão e preocupação. A pele da minha testa ficou ligeiramente enrugada quando franzi as minhas sobrancelhas, de um modo discreto, e eu aproximei-me do seu corpo, envolvendo o seu pescoço com os meus braços e esticando-me para alcançar os seus lábios. O beijo foi simples e curto, um bate chapas, e fiz questão de o largar logo com a desculpa de querer ir para o quarto.

"Não respondeste." - fez questão de afirmar. A sua voz perto demais o que dava a entender que este me seguia até à pequena divisão que partilhava com ele.

"Tinha uns assuntos para tratar. " - disse, esperando que a conversa acabasse por ali. Escolhi outras calças de treino - desta vez num tom roxo -, e t-shirt de manga cava preta. Coloquei ambas as peças de roupa em cima da cama e tirei de uma gaveta um sutiã desportivo e umas cuecas confortáveis. Olhei para a porta, procurando-o com o olhar mas ele já lá não estava.

"Está aqui a tua parte do dinheiro. " - vi um saco de papel voar até à cama, apanhando-me de surpresa quando estava prestes a entrar na casa de banho que fazia ligação com o quarto.

" Obrigada"- disse, falando no geral. Matt mostrou-me um sorriso um pouco torto antes de dizer que tinha de ir trabalhar e se despedir de mim da mesma maneira que nos cumprimentámos.

Entrei na banheira e o meu corpo foi relaxando à medida que entrava em total contacto com a água fria. Tomei um duche calmo e demorado e, assim que sai da casa de banho, vesti o conjunto escolhido anteriormente por mim.
Faz sentido que as coisas que nós mais gostamos, sejam as coisas que queremos prolongar por tempo indeterminado, enquanto que as que menos gostamos, queremos que passem rápido. Não sei se é porque, se gostarmos e for rápido nos possamos esquecer, ou porque se não gostarmos e for lento isso será difícil de acontecer. Ou talvez seja porque embora durem rápido, as que não gostamos ficam na maior parte das vezes marcadas na nossa memória, e as que gostamos facilmente ignoramos. Porque, afinal, nós nunca estamos suficientemente felizes, estamos sempre à procura e à espera de mais e mais.

Parkour |l.h.|Onde histórias criam vida. Descubra agora