Verdade n° 6: Meu pai não gosta de mim, nem nunca gostou. Uma vez ouvi ele falar que Deus tirou dele a filha errada.
Depois que Atena ficou noiva, Íris se sentiu muito mal. Ela se culpava porque, se não tivesse falado nada, mamãe nunca saberia sobre o relacionamento dela com Roberta e nossa irmã mais velha poderia estar fazendo suas malas e indo pra faculdade ao lado da namorada.
Ao invés disso, ela passou os últimos meses de aula montando o enxoval de noiva, organizando a festa de casamento e tentando deixar nossos pais felizes. Como nossa família era tão conhecida, o casamento se tornou o grande evento da cidade. Todos comentavam, todos queriam saber os detalhes, e mesmo na nossa escola de ensino fundamental as crianças nos questionavam como seria a decoração, como era o vestido, para onde eles viajariam de lua de mel.
Eu sabia o que Frederico era, o que ele fazia com Atena, e mesmo que ela fosse uma versão diluída de Aquiles em sua maldade, eu ainda não queria que minha irmã fosse condenada à uma vida infeliz ao seu lado. Eu estava triste, Íris estava triste e Atena estava triste. Tentei falar com papai, mas ele me deu um tapa e disse para não me meter. Então me calei.
*
Quando chego em casa, as sacolas de roupa que Maya deixou em cima da minha cama estão recheadas de roupas rasgadas. Sei que foi Aquiles, mas escolho não fazer alarde. Ainda tenho as roupas que Felipe me deu e, quando Maya entra no nosso quarto para anunciar que mamãe chamou o novo padre para jantar conosco, ela me encontra jogando os retalhos no lixo.
Não pergunta nada, mas tem um ar decepcionado que dura um segundo, antes de ser substituído por determinação. Ela sai do quarto e quando volta traz um conjunto que deve ser seu, porque fica um pouco curto em mim. A blusa é branca de botões, e a calça um jeans grosso, de um azul claro. É muito mais nova e tem um caimento muito melhor que as roupas que eu normalmente uso. Me sinto estranha com ela, mas decido usar mesmo assim, assim como os brincos e colar que ela me empresta.
Digo para Íris que é porque quero irritar Aquiles, mas ela me diz que eu quero impressionar Caio.
Desço atrasada e ele já chegou. Estão todos sentados à mesa e papai me lança um olhar furioso porque demorei muito. Sento ao lado de Melissa, de frente para ele, e o padre sorri para mim antes de voltar a conversar com mamãe.
- Ah, a família de vocês é muito receptiva. Não é de se admirar que vocês sejam tão bem quistos aqui na cidade - sorri para mamãe, e então se dirige a papai - Almocei com o seu filho mais velho e Cassandra, ele me apresentou a cidade. Fico feliz em ver que vocês todos convivem com tanta harmonia, conheço familias que fazem uma grande diferenciação entre os filhos de primeiros e segundo casamentos, e eu sempre recomendo que parem. É um dos piores pecados, alimentar essas cisões familiares.
Todos ficam tensos, e tenho certeza que Caio percebe. Ele me lança um olhar rápido e sorri de maneira inocente. Sei que nenhum deles vai contestar a opinião do padre, e isso me faz sorrir. Íris ri, porque mamãe está com um sorriso congelado no rosto, mas podemos ver a fúria em seu olhar. Aquiles, ofendido por não ser considerado o filho mais velho, toma um gole do seu vinho. Está segurando a taça com tanta força que acho que ela vai quebrar.
Sei que mamãe está com raiva não apenas por ele estar falando de Felipe, mas também pela ideia de que o bastardo do meu pai deu as boas vindas ao padre antes dela.
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As Dez Verdades de Cassandra
Ficțiune generalăApós a morte precoce da irmã gêmea, Cassandra passou seis anos em uma instituição para jovens com problemas mentais. Aos dezoito, quando é liberada para voltar ao convivío familiar, tudo está diferente: seus irmãos mais velhos estão casados, sua irm...