Sempre há um motivo

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  No início essas conversar que eles tinham comigo eram bem tranquilas de suportar, pois só falavam que era errado e que ninguém poderia saber por que tinha risco de atrapalhar os negócios da família. Depois de uns meses eles começaram a enlouquecer de vez, qualquer guri que eu conversasse fora da escola ou estivesse perto demais era motivo para que me trancassem no quarto ou me deixassem com todas as tarefas da fazenda ou até na rua como meio de me punir por isso. Em uma dessas vezes que me deixaram para fora descobri um celeiro abandonado.

  Ele podia estar abandonado, mas estava ótimo para a minha situação. Com tempo fui levando algumas coisas para lá como: meu violão, cobertas, livros, travesseiros, filmes. O tornando meu próprio cantinho para quando precisasse fugir um pouco e por isso ele virou o meu refúgio
  Além disso, ele era distante o suficiente para ninguém lembrar da sua existência e meus pais não estavam nenhum pouco preocupados de onde eu estaria quando me quisessem longe

  Durante esse tempo achei que ao completar 18 anos, minha idade atual, e me tornando o que meus pais desejavam, um bom sucessor e um guri "normal", eu poderia finalmente ficar em paz, mas estava enganado. Eles continuaram tentando controlar tudo que eu fazia. Minha mãe parecia estar sempre me observando de longe para ter certeza que não estava fazendo algo que eles desaprovassem.

  Levantei cedo com a cantoria do galo como já era de costume, mas hoje eu precisava ir ao mercado comprar algumas coisas que faltavam em casa como minha mãe havia me pedido na noite anterior. Peguei uma roupa qualquer no meu armário e fui para o banheiro me arrumar. Agora que eu já estava pronto desci para a cozinha, peguei a lista que minha mãe havia feito com tudo que estava faltando, as sacolas retornáveis e sai de casa.

  Demorei para chegar, pois o mercado ficava no centro da cidade que tinha uma distância considerável das residências. Na entrada um ex colega, o Theo, me reconheceu e veio conversar comigo querendo saber sobre como estavam as coisas, sobre a fazenda também e nada muito importante. Nossa conversa não durou muito, mas assim que vi ele se afastado percebi que minha mãe estava por ali observando toda a interação que tive com ele. Eu sabia que não havia feito na demais então não me preocupei muito e prossegui indo fazer as compras.

  Quando cheguei meu pai estava lendo o jornal meio inqueto na cadeira que ficava na varanda da entrada, percebi sua inquietude pelo barulho de seu pé batendo num ritmo frequentemente e rápido no chão. Passei por ele, mas foi como se minha presença não fizesse diferença. Então entrei em casa indo direto na cozinha guardar as compras nos seus devidos lugares, assim que acabei estava indo a caminho das escadas e escutei meu pai falando comigo lá da rua.

- João vitor, qual parte não deixamos claro para você durante esses anos? - ele falou sem nem tirar os olhos do jornal.

  De inicio não consegui entender o que ele queria dizer e por que estava perguntando isso, mas me lembrei da minha mãe cuidando cada momento que conversei com o Theo na frente no mercado, mas eu estava com um pingo de esperança que não fosse sobre isso.

  - Não estou te entendendo. - repondi para ele me fazendo de desentendido, por que realmente não queria acreditar nisso

  - Quem era o rapaz que estavas conversando? - ao perguntar isso percebi que minha mãe realmente havia falado para ele sobre o que viu hoje e como de costume ela entendeu a situação completamente errada, provavelmente aumentando o que aconteceu para que ficasse pior.

  Não respondi sua pergunta, o que fez ficar irritado
 
  - Sua mãe te viu de papo com um rapaz na frente do mercado. Disse que estavam muito próximos. Nos ja falamos que não é para ficar assim com rapazes! - fechou o jornal e o enrolando com raiva e direcionou seu olhar para mim.

- Calma, o que? - respondi a ele com indignação. Ele realmente estava querendo insinuar alguma coisa?

  Naquele momento percebi onde isso iria levar e senti a irritação iniciar em mim

  - Vocês não tem mais o direito de controlar com quem eu falo ou deixo de falar! - a raiva já estava tomando conta de mim completamente.

  - Ainda sou seu pai! Tenho esse direito, ainda mais quando você ta se jogando pra cima de homem seu merda! - se levantou jogando o jornal com toda a sua força no chão.

  - Me jogando? Pelo amor de deus! Eu so tava conversando como qualquer pessoa! - gritei com toda a raiva que tinha. Essa situação era completamente desnecessária. Passei tanto tempo me moldando para os padrões deles e parece que nunca adiantaria, pois eles sempre conseguiam um motivo para me destruir.

  A discussão entre nós só estava aumento e se eu ficasse ali por mais tempo iria surta. Sai daquela situação ignorando tudo que meu pai ainda falava. Peguei minha bicicleta e sai pedalando para o meu refúgio. Nem percebi que o céu fechou e que as nuvens pareciam carregar uma chuva enorme

  Mais uma vez eu me encontrava no celeiro, perdido no meu próprio mundo após uma discussão com meu pai.

  Começou a chover intensamente, então mesmo se eu quisesse voltar para a casa não poderia e com certeza eles não iriam me querer por lá agora. Fiquei olhando a chuva e tocando meu violão só para me distrair das loucuras que se passavam na minha cabeça. Sabia toda a melodia de uma das musica que fiz , mas so havia poucas partes da letra em si. Então enquanto eu dedilhava a melodia ia cantando a letra que mesmo com pouco dela escrita já apresentava muito de mim.

"Eu vejo as luzes, vejo as ruas
Eu tenho um sonho imortal
Eu quero que tudo me aconteça no final"

  Nunca foi segredo que sempre sonhei em viver da musica, mas esse sonho sempre pareceu impossível. Tentei esquecer, tentei mudar minhas ideias, tentei muito mesmo, porém esse sonho era imortal.

"Me desfaço e refaço em questão de meses
Como eu já fiz milhares de vezes"

  Nesses três anos mudei tanto o jeito que eu me mostrava para o mundo. Trancafiei todos meus sentimentos e partes de mim para que ninguém desconfiasse sobre quem eu realmente era, pois meus pais sempre reforçavam que se alguém descobrisse sobre eu ser bissexual iria ser a ruína dos Romania. Como a nossa familia era a de maior influência na cidade, eu não poderia arruinar isso.

  Decidi parar de tocar um pouco e só refletir sobre o que aconteceu mais cedo, mas durou muito já que ao olhar para a rua vi um rapaz correndo desesperado naquela chuva.

  Levantei correndo de onde estava sentado e fui para a porta do celeiro chamando ele para dentro

  - EI! ENTRA AQUI! - chamei o mais alto que pude. Tava chovendo forte e era perigoso ficar na rua agora.

  Ele olhou meio desconfiado, mas naquele momento era melhor estar em um lugar coberto com um estranho do em uma chuvarada, acho que ele pensou o mesmo pois veio em direção ao celeiro. Enquanto ele estava vindo peguei uma das cobertinhas que tinha ali e alcançei para ele quando chegou para que pudesse se secar pelo menos um pouco, pois estava encharcado.

  - Você tá bem cara? -Perguntei entregando a coberta pra ele

  - To sim, obrigada. - pegou a coberta e se enrolou nela. Ele parecia estar com frio, pois estava batendo o queixo e sua boca estava meio roxa

  - Eu sou o João Vitor. - estico a mão para ele

  - Eu sou o Pedro. - me responde apertando minha mão

Hoje eu preciso irOnde histórias criam vida. Descubra agora