prólogo

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Eunice ajustou o crachá prateado na gola preta da roupa, o sobrenome "Marino" em prata escovado se destacando no prata brilhante do objeto. O espelho denunciava as olheiras fundas da noite mal dormida e as pontas secas do cabelo, que escapavam pelo coque alto. Ela forçou um sorriso para o próprio reflexo.


Dione parou ao lado dela no espelho, o black power brilhante balançou para o lado quando ela inclinou o rosto para observar Eunice pelo reflexo.


— Sua babá me ligou para avisar que a Shantal dormiu depois de tomar o remédio de febre. Ela capotou assistindo aquele filme que ela gosta – Dione voltou sua atenção para o celular, digitando furiosamente enquanto fazia caretas.


— Sua babá – Eunice se virou para Dione, os braços cruzados, e sorriu quando a viu revirar os olhos para o comentário. Seus olhos estavam presos no celular, a tela acessa causando reflexos brilhantes e azulados nas íris escuras. – Eu vou te devolver o dinheiro quando o pagamento cair.


— Não. Nem pense nisso – Dione deu uma olhada rápida para Eunice, para enfatizar que era com ela que estava falando, antes de voltar a olhar para o celular e fazer uma careta.


— Claro que vou. A Shantal é minha responsabilidade, e você nem tem filhos. Não deveria estar pagando uma babá.


— Eu sou madrinha da Shanty. E também, não preciso do dinheiro – Dione fez um gesto de xingamento com os lábios, sem emitir som, digitando com ainda mais pressa. – E tem mais: duas horas dessa garota e você fica sem o salário que eu acabei de conseguir para você.


— Uau! Obrigada por lembrar que sou pobre – Eunice se afastou de Dione, mas viu quando ela abaixou o celular e virou o rosto para cima com os olhos fechados, arrependida de ter feito o comentário.


— Eu não quis dizer...


— Tudo bem. Eu sou pobre mesmo. Fui enganada e roubada, e preciso ser lembrada disso para não fazer de novo – Eunice deu de ombros com descaso, de costas para Dione e checou a hora na tela quebrada do celular. Ela ajustou os ponteiros do relógio de pulso pelo celular e o prendeu no braço. – Vou te pagar pela babá. Se não agora, quando eu tiver grana.


— Eu não quero...


— Mas eu quero. E para de usar a desculpa de que é madrinha dela – Eunice enfiou o celular na mochila depois de checar se a babá tinha enviado alguma mensagem nova sobre o estado de Shantal, e empurrou tudo para dentro do armário de ferro que tinha o seu nome na porta. – Eu vou dar um jeito na minha vida, e aí você vai poder dar apenas os presentes caros para ela.


— Você está sendo injusta. A ideia da festa foi minha, e você sabe que eu não ligo de trazer ela para o meu trabalho – Dione se aproximou de Eunice, os saltos do sapato fino estalando a cada passo. Ela se sentou no banco no meio do cômodo, os joelhos tocando a coxa da amiga. – Escuta: eu não quis trazer ela hoje porque ela está doente. Se a expor para os jogadores e alguém ficar doente...


— Você que inventa de trazer ela nas quintas. Não gosto disso. Ela deveria estar em casa comigo...

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