𝗣𝗥𝗢́𝗟𝗢𝗚𝗢

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As nuvens pesadas se amontoavam no céu, e o calor sufocante do final do verão deixava o ar espesso e difícil de respirar

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As nuvens pesadas se amontoavam no céu, e o calor sufocante do final do verão deixava o ar espesso e difícil de respirar. Eu observava a paisagem monótona pela janela da pequena casa em que morava com meus pais, uma residência simples, mas que sempre parecia apertada demais. Ed, meu pai, estava sentado no sofá, já na sua segunda cerveja do dia. Mamãe, como de costume, permanecia ocupada com as tarefas da casa, evitando o máximo de contato possível com ele, com medo de provocar qualquer reação.

Eu sabia que deveria fazer o mesmo.

── Raven! ── A voz rouca de Ed atravessou o ambiente, carregada de impaciência. ── Tira essas porcarias da sala.

Meus olhos se voltaram para a pilha de revistas de música e cadernos que eu havia deixado ali mais cedo. Coisas minhas. Coisas que me lembravam de um mundo fora daquele inferno que chamávamos de lar. Levantei devagar, tentando não provocar mais irritação.

── Já estou indo, pai ── murmurei, abaixando a cabeça enquanto recolhia tudo de uma vez só.

Mas não era rápido o suficiente. Nunca era.

── Eu já disse pra não deixar suas merdas espalhadas! ── Ed se levantou com um salto, sua altura e presença se impuseram sobre mim. ── Você só atrapalha essa casa. É inútil, feito sua mãe.

Senti o estalo seco antes mesmo de entender o que estava acontecendo. Ele me empurrou com força, e os cadernos escorregaram dos meus braços. Tropecei, desequilibrada, e bati as costas contra a mesa de centro da sala. O impacto fez o ar sair dos meus pulmões, e por um instante, tudo ao meu redor pareceu girar.

── Desculpa... ── sussurrei, lutando para me recompor. O gosto amargo da humilhação me preencheu, mas eu sabia que revidar só pioraria as coisas.

── Desculpa?! ── Ed zombou, dando mais um passo em minha direção. — Nem pra isso você serve.

Eu queria gritar. Queria gritar até minha garganta arder, mas eu sabia que nada mudaria. Isso era rotina. O abuso, os gritos, o olhar vazio de minha mãe. Fui forçada a engolir a dor por tempo demais.

Mamãe se manteve em silêncio, parada à porta da cozinha, os olhos abaixados como sempre. Havia desistido de lutar há tempos, e às vezes eu achava que estava perto de fazer o mesmo. Mas ainda não. Não hoje.

Deixei os cadernos caídos no chão e saí pela porta da frente antes que ele pudesse continuar, o barulho da tela batendo ecoando pela casa. Precisava respirar. Precisava de um momento longe de tudo aquilo. Meus pés me levaram pela rua poeirenta, enquanto eu tentava apagar o gosto metálico da dor que fervilhava dentro de mim.

O calor lá fora era opressivo, mas era melhor do que estar dentro daquela casa. Caminhei até o parque da cidade, o lugar mais longe que minha mente conseguia pensar naquele momento. As árvores ofereciam um pouco de sombra, e sentei no banco mais afastado, tentando organizar os pensamentos.

Abracei meus joelhos e encostei o queixo nas mãos, deixando os olhos vagarem pelo campo de visão. Crianças corriam ao redor, rindo, alheias ao fato de que o mundo logo desabaria em cima de todos nós. Ninguém ali sabia o que estava por vir. Eu também não sabia, mas a sensação de que algo terrível estava à espreita já pairava no ar, como uma sombra invisível.

Eu só sabia que precisava sair daquele lugar um dia. Que a vida não poderia ser só aquilo. As brigas, os gritos. O medo constante.

Passei as mãos pelos braços, tentando afastar o leve tremor que ainda percorria meu corpo. O toque ainda estava lá, a memória do empurrão de Ed, a dor nas costas. Mas eu tentava apagar isso. Talvez, por alguns minutos, eu conseguisse me perder na ideia de um mundo diferente. Um mundo onde eu não precisasse viver com medo de cada passo que desse.

Um suspiro longo escapou dos meus lábios, e a brisa quente do fim da tarde acariciou meu rosto. Naquele momento, eu não sabia que o mundo como o conhecíamos estava prestes a mudar para sempre. Não sabia que, dentro de algumas semanas, todos nós seríamos lançados em uma luta desesperada por sobrevivência.

Mas parte de mim já desejava que algo assim acontecesse. Talvez, se o mundo desmoronasse, eu pudesse encontrar uma maneira de escapar. Talvez, se o caos se instalasse, eu pudesse encontrar força em meio à destruição.

E, sem saber, eu estava prestes a descobrir se a força que eu tanto ansiava poderia realmente surgir das cinzas.

𝗗𝗘𝗔𝗧𝗛 𝗢𝗥 𝗗𝗘𝗔𝗧𝗛Onde histórias criam vida. Descubra agora