III - Perdão

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Tempo tempo tempo tempo

Ouve bem o que eu te digo





"Eva, quero começar te dizendo que tudo o que fiz, eu fiz por amor." — Pérola queria tanto poder abraçar a filha e mesmo que ela estivesse ali na sua frente, ela sentia um enorme abismo entre elas.


"Sim, amor pelo o meu pai." — Refutou a pianista em tom triste. "Meu pai sempre foi a sua razão, durante todo tanto que passamos em Dublin ele era o único em seus pensamentos, quase a sua essência para viver."


"Não, minha querida. Não é e nunca foi assim."


"Como não?" — Perguntou quase inconformada. "Longas eram as horas quando você falava e falava sobre o meu pai e eu tinha que ouvir."


"Você acredita que se minha prioridade fosse o seu pai eu teria o deixado por tantos anos para viver contigo na Irlanda?"


Eva fez uma careta como criança quando é contrariada, pois sabia que não tinha resposta para tal questionamento e parando pra pensar fazia sentido, assim que anunciou que faria da Irlanda o seu novo lar, Pérola foi a primeira a dizer que iria com ela, nem ao menos pensou duas vezes antes de deixar Serranias e seu grande amor para trás.


Ponto positivo para Pérola e uma fileira de tijolos que caía do muro ao redor do coração de Eva.


"Eva, o dia do seu nascimento foi o dia mais mágico da minha vida." — Os olhos da valentina brilhavam tamanha a sua emoção. "Quando te segurei em meus braços e te amamentei pela a primeira vez, quando te embalei para dormir, ali eu descobri o significado do maior amor do mundo e que eu seria capaz de qualquer coisa para te proteger."


Eva apenas a observava com atenção, ouvir sobre o seu nascimento e a felicidade que Pérola sentiu fez o coração da pianista se aquecer em amor, pois sendo também mãe, Eva entendia perfeitamente os sentimentos ali declarados.


"Mesmo que ele não soubesse, seu pai me abandonou grávida para se casar com Marta e eu? Bem, minha querida, eu era uma moça solteira em uma época cheia de preconceitos, não que hoje seja muito diferente, mas antes era pior. Eu seria humilhada, Eva, e tive tanto medo de que você sofresse as consequências, tive tanto medo do que você poderia ouvir na escola ou pelas ruas, medo da fúria de Marta contra você e então seu tio Rafael e eu tivemos a ideia de te colocar no lugar da sua irmã que faleceu no parto." — Era doloroso relembrar o passado, mas uma dor necessária para o alívio de um coração angustiado.


"Você quis me proteger da vergonha de não ter um pai e ao mesmo tempo não quis destruir a felicidade da minha mãe." — Constatou enfim.


"Eu consegui fazer você ser criada e amada pelo o seu pai e ao mesmo tempo sempre permanecer ao seu lado, mesmo tendo que apagar o meu papel de mãe para me tornar tia. E isso doeu, Eva, doeu como eu nunca poderia te explicar." — A dor silenciosa finalmente se libertava em lágrimas.


"Eu entendo suas razões, mas depois de tanto tempo, depois que ela se foi, por que não contar a verdade?" — Isso a incomodava demasiado.


"Eu jurei pela a sua vida que jamais contaria a verdade." — Sorriu triste. "Mas eu quis, eu tentei, porém o medo me travou. Eu tinha tanto medo da sua raiva, fúria e ódio. Eu poderia perder o amor do seu pai por mil vidas, Eva, que eu seria capaz de continuar vivendo, mas perder o seu amor me mataria, meu maior medo sempre foi te contar a verdade e essa verdade te levar para longe de mim."


Uma mãe chorava então a dor da verdade que de forma forçada se fez real, o peito sangrava com a simples ideia de seu amor maior lhe fechar as portas de seu mundo e deixá-la para sempre na escuridão. Pérola tinha o amor mais profundo em seu ser por sua menininha que hoje já era uma mulher, mãe e perdê-la seria perder a própria essência, o sentido que a mantinha de pé para viver e por isso ela chorava, o peso de um segredo guardado por tantos anos estava finalmente deixando os seus ombros e quão grande era o alívio em poder respirar.


"Doeu, doeu muito saber que você mentiu por tanto tempo, isso me fez por instantes questionar o teu amor por mim, mas agora eu entendo tanta coisa."


Ah como é doce o perdão a desabrochar em um coração, Eva, como criança que pede colo, deitou-se sobre o colo da mãe a pegando totalmente de surpresa, um ato inesperado, mas bem-vindo e por muito tempo esperado.


"Você sempre entendeu esse meu temperamento, sempre esteve ao meu lado mesmo em meus dias ruins, nunca desistiu de mim ou me abandonou. Você sempre foi o meu escudo e me defendia do mundo como um furacão."


Eva ia se achegando mais e mais à mãe ao ponto de ambas caírem deitadas sobre a cama e Pérola a embalou em seus braços como fez no dia do nascimento da pianista.


"Mesmo depois de Conrado e Nina você foi a única que se manteve ao meu lado e me amou diante da minha pior falha, como poderia eu te odiar se foi você quem me mostrou o significado do amor de uma mãe? Foi com você que aprendi a ser a melhor mãe que hoje posso ser para a minha filha." — Declarou.


"Ai minha querida, eu tive tanto medo." — Pérola enchia o rosto da filha de beijos. "Eu sofri tanto quando a minha netinha nasceu e eu não estava ao seu lado para segurar a tua mão. Eu sofri tanto durante esses sete anos em que você esteve fora, mas todos os dias eu rezava pedindo pela a sua proteção, o meu coração nunca se afastou de você."


"Eu também senti sua falta e quando Clara nasceu a pessoa que eu mais queria naquele momento era você." — Eva também enchia sua mãe de beijos e abraços apertados. "Me perdoe por ontem, pelo o meu jeito ríspido de te tratar, eu estava confusa e magoada."


"Tudo bem, meu amor, eu te conheço e no fundo eu sabia que quando você descobrisse a verdade a sua reação seria essa."


"Mas eu te amo e agora mais ainda, nunca pensei que fosse possível te amar tanto, mas hoje sinto que uma nova porta se abre em meu ser e meu amor transborda como cachoeira." — Eva olhou seriamente nos olhos de Pérola. "Obrigada por me amar tanto e por todos os sacrifícios que fizeste por mim."


"Eu faria tudo outra vez, não há nada que me faça mais feliz do que a sua felicidade, minha menina."


"Eu te amo, mãe."


Sorriu a pianista diante da expressão emocionada da valentina, mas sim, Pérola era sua mãe, sua verdadeira mãe e aquela que nunca colocou limites em seu amor por ela, aquela que abriu mão da própria felicidade para que ela pudesse ser feliz, aquela que desistiu de seus próprios sonhos para que ela pudesse realizar os seus, como poderia Eva não chamá-la de mãe?


"Eu também te amo, minha filha." — O sorriso de menina no rosto de Pérola era a felicidade em forma plena por poder finalmente dizer aquelas palavras. "E é tão bom poder finalmente te chamar de minha filha."


"Hoje a nossa história muda para novos ventos. Uma vida te chamando de tia e agora tu te tornas minha mãe." — Eva sorriu ao dizer. "Que bom poder escrever contigo esse novo capítulo."


Mãe e filha ali permanecem, uma conversa que durou a manhã toda e só foi interrompida pelo barulho do estômago de Eva — a pianista ficou vermelha como um tomate — que reclamava de fome, pois ela havia saído de casa sem tomar café. Juntas desceram, mãos dadas, corações conectados, nada foi preciso dizer para aqueles que estavam presentes na sala, apenas a felicidade brilhando nelas como sol num campo de lírios foi o suficiente para todos saberem que o perdão havia, enfim, se desabrochado.




De modo que o meu espírito

Ganhe um brilho definitivo

Tempo tempo tempo tempo

In the name of loveWhere stories live. Discover now