I - Composição de destinos

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Dor

Traição

Decepção

Eram esses os sentimentos que batiam no peito de Eva Sullivan naquele momento, sua vida havia se tornado uma tragédia grega e parecia impossível a chance de um final feliz. Doía, e como doía, parecia que seu coração estava sendo estraçalhado em milhões de pedacinhos e ela não podia recorrer ao seu porto seguro, sua amada tia — ou não mais— Pérola. Como pedir socorro para quem, naquele instante, era causadora de sua dor?

Ouvir a confissão de Inácia a colocou no meio de uma tempestade, tinha muitos defeitos, mas mentira era algo que nunca suportou, segredos muito menos, não vindo daqueles a quem ela sempre entregou tanto, se entregou crua, em toda sua essência e vulnerabilidade.

Pérola, quem era esta mulher que sempre pensou conhecer e agora nada sabia? Quem era a mulher que durante toda uma vida chamou de tia para então agora descobrir ser sua mãe?

Perdida, em pensamentos, em seu próprio mundo, a mente vagando por dezenas de momentos que juntas viveram, seria tudo verdade? O que era mentira? Tantas perguntas atormentando uma mente cansada, um coração ferido, tanta incerteza no que sempre lhe pareceu seguro, o mar calmo agora dava lugar às ondas em fúria, Eva estava se afogando, a superfície se afastava cada vez mais, o ar quase inexistente, a luz que já não existia mais, estava frio, se viu completamente abraçada pela solidão.

"Evinha?"

De repente uma voz, uma mão lhe puxando do abismo em que se encontrava, um colete salva-vidas que jogaram em sua direção.

"Está tudo bem, minha querida?" — A preocupação era evidente na voz de Inácia, pouquíssimas vezes presenciou sua menina assim tão abalada, inerte, quase como se a vida estivesse lhe dizendo adeus.

"Como ela foi capaz?" — O olhar de Eva estava perdido, desfocado, mas Inácia havia entendido, Eva descobriu a verdade.

"Meu amor..." — Aproximou-se da mulher que naquele momento parecia tão menina. "Sua tia fez isso por amor." — Tentou justificar.

Tais palavras foram como fósforo aceso jogado em um tanque de gasolina.

Incêndio.

Fúria.

"Amor?" — A raiva queimava no olhar. "Amor, Inácia?" — Afastou-se, precisava de espaço, precisava respirar. "Como você pode falar isso? Essa mulher..."

Respiração pesada, garganta seca como deserto.

Um sentimento? Desprezo.

"Essa mulher MENTIU pra mim durante anos! Eu implorei, Inácia, implorei para ela me contar a verdade e olhando em meus olhos ela mentiu. Pérola mentiu..."

Veja bem, não mais tia.

"Me traiu duas vezes."

A raiva descia por seu rosto em forma de lágrimas, não conseguia ou parte de si queria não acreditar que tudo aquilo estava acontecendo. Eva tinha muito amor por seu pai, mas sua relação com Pérola era mais forte, era uma ligação sem explicações e talvez por isso estivesse doendo tanto.

"Evinha, tenta compreender, meu amor." — Insistia Inácia. "Você está chateada agora e eu te entendo, mas não negue ou apague tudo o que sua tia fez por você."

Riu com ironia, mas sabia, lá no fundo, que Inácia tinha razão, Pérola sempre esteve ao lado dela, sempre a defendeu mesmo quando estava errada, se colocou como escudo muitas vezes para que Eva não fosse atingida, poderia não admitir agora, mas no fundo, uma parte de si, reconhecia a verdade.

"Sua mãe te ama, minha menina."

"Não!" — Disse firme. "Ela não é a minha mãe, minha mãe morreu e a mulher que me colocou no mundo desistiu de mim no dia em que eu nasci." — Limpou as lágrimas, a máscara de mulher imbatível ia voltando. "Você fala de amor, Inácia, mas tudo o que ela fez não foi por mim, mas sim pelo o meu pai. Pérola fez dele o seu motivo para viver e me usou como desculpa para poder ficar perto dele, ele sempre foi a prioridade da vida dela, sempre viveu em função do meu pai."

Aquela a quem tanto foi mencionada apareceu segundos depois descendo as escadas, sentiu o clima tenso e pesado na sala, sabia que havia algo de errado, mas nem ao menos teve chance de perguntar o que estava acontecendo, pois Eva passou correndo feito furacão e foi em direção ao quarto, não queria falar com Pérola, precisava ficar sozinha, precisava chorar a dor da decepção.

"Eva?" — Pérola virou-se para ir atrás da sobrinha.

"Não, dona Pérola, não vá atrás dela." — Pediu Inácia.

Pérola a olhava confusa tentando entender o que estava acontecendo, mas não precisou de muito, o olhar de Inácia já dizia tudo o que ela precisava saber.

"Não..." — Sentiu seu corpo enfraquecer, aos poucos foi se abaixando até cair sentada na escada. "Inácia, por favor..." — A voz já carregada pelo o choro.

"Evinha ouviu minha conversa com o Sr. Max."

"Inácia... Eu vi o ódio nos olhos dela." — Disse a valentina em tom desesperado. "Eu não posso perder a minha filha, Inácia, não vou suportar."

Coitado do coração de uma mãe que sangrava sufocado pelo medo.

"Eva está machucada, mas ela só precisa de um tempo, dona Pérola." — Inácia aproximou-se da velha amiga, sentou ao seu lado para lhe dar conforto. "Vai ficar tudo bem."

O medo a dominou, Pérola sabia que já havia perdido Max, mas perder o amor da filha seria sua morte, Eva era sua razão de viver e não suportaria ser odiada por sua menina, não aguentaria o peso de tamanha dor, estava em colapso.

Mas a verdade havia sido revelada. Segredos podem ser cruéis, as consequências mais ainda.

Estaria Eva disposta a compreender e perdoar a mãe? Teria Pérola uma chance de provar seu amor?

Tantas perguntas, tanto sentimento bagunçado, tanto para ser consertado.

Tempo tempo tempo tempo

Compositor de destinos...



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