00. Jingumae;

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神宮前 ⸻ E a hierarquia dos lobos.

As construções monocromáticas da região de Jingumae não são tão altas quanto os edifícios do centro de Shibuya, mas o Sol já estava parcialmente escondido por trás delas. O céu ostentava uma mistura etérea de laranja e rosa, assemelhando-se a uma pintura, mesclando-se aos tons acinzentados das casas e lojas da região. A rua é mais tranquila do que o restante do bairro, com poucos carros passando pela estrada estreita.

Parei a bicicleta em frente à lavanderia do velho Jeison Maruki, um estadunidense sem qualquer ascendência que jura que é japonês. Acho que existe alguma problemática no fato de ele ter “ajaponezado” o próprio nome, mas a minha única preocupação é pagar o meu aluguel no fim do mês e, devido a isso, não estou em posição de ignorar trabalhos por questões morais.

É uma fachada simples, localizada no térreo de um prédio de três andares. Ela deve ter sido branca em algum momento, mas, no presente, é amarelada.

Respirei fundo, sentindo o ar quente do começo de verão invadir os meus pulmões, e então comecei a retirar cuidadosamente o cabideiro portátil, um objeto usado para transportar roupas sem muitos problemas, de minha bicicleta. Enquanto o fazia, acabei dando-me conta da presença de alguns pequenos lupinos no outro lado da rua, todos encarando a minha pessoa.

Quando eu retribui o olhar, as crianças deram gritinhos agudos e saíram correndo na direção de uma loja de roupas no final do quarteirão. Antes de sumirem completamente, consigo escutar uma delas dizendo que sou muito bonito. Acabo por rir com o nariz, sentindo-me uma celebridade por alguns instantes antes de voltar à realidade de entregador de roupas.

É triste saber que Tóquio certamente irá roubar as esperanças e as almas desses pirralhinhos, exatamente como fez comigo, para então deixá-los imersos em uma constante melancolia que só pode ser brevemente interrompida com consumismo.

Balanço a cabeça, afastando o pensamento. Apesar de a vida estar constantemente me dando razões para tal, agir como um velho rabugento e amargurado aos vinte anos seria o mesmo que atirar a última pá de terra no meu próprio caixão.

Com o cabideiro em mãos, empurro a pesada porta de vidro e entro no estabelecimento de Jeison.

No interior da lavanderia, o ambiente é abafado, apesar do ar condicionado barulhento. Algumas máquinas de lavar ainda estão rodando, e uma senhora dorme profundamente em uma das cadeiras que ficam mais ao fundo, roncando alto com a boca aberta. A cena quase me faz dar uma gargalhada, mas consigo engolir o riso a tempo, invejando-a por estar repousando tão profundamente em pleno horário comercial.

— Taehyung.

O meu devaneio é interrompido pela voz grave de Jeison. Assim que lhe encaro, sou cumprimentado pela expressão carrancuda que estampa aquele rosto todo esticado por botox — até me surpreende um pouco o beta nova-iorquino conseguir realizar a fantástica proeza de mudar as feições.

Ele é um homem grande em largura, mas pequeno em altura e em caráter e possivelmente em outras coisas também. A raiz loira em meio aos fios pretos indica que já é hora de passar uma nova mão de tinta nas madeixas, e o mesmo pode ser dito da barba rala de “samurai” que ele está tentando manter.

Suando, e fedendo demais para alguém que trabalha com lavagem de roupas, Jeison vem em minha direção, os passos pesados fazendo barulho de estrondo na madeira do piso.

Em uma fração de segundos, Maruki tomou o cabideiro de minhas mãos e, com a prática em segurar aquele trambolho, foi capaz de estender-me um maço estranhamente fino de dinheiro.

Jeison foi para os fundos da lavanderia para guardar o objeto, e eu aproveitei da privacidade para contar as cédulas, me surpreendendo ao constatar que aquele valor estava completamente errado. O combinado era nove mil cento e oitenta e seis ienes, e ali não tinha nem cinco mil.

always somewhere | taekookOnde histórias criam vida. Descubra agora