Célia já teve muitos sonhos quando menina. Se imaginava crescida, costurando bonecas para presentear as crianças que, como ela, se criaram no meio da caatinga com pão esfarelado e sopa rala. Imaginava que ia conhecer seu grande amor, casar e ter uma vida feliz com ele. Ela não contava que, com o passar dos anos, a máquina de costura se converteria num rifle impiedoso enquanto o homem que ela viria a se apaixonar estaria, um dia, no alvo de sua mira.
No calor abafado daquela noite sertaneja, a rasga mortalha, conhecida por anunciar a morte iminente, era a única testemunha da cena tensa que se desenrolava. A mulher, com a mão firme, apontava o rifle para Dedo Torto. O brilho da lua refletia no cano da arma, iluminando os olhos arregalados do delegado, que, pela primeira vez, demonstravam arrependimento e medo. Seu corpo, que outrora comandava o respeito da cidade, agora tremia diante da mulher que ele jamais subestimou, mas também nunca compreendeu de verdade. Ninguém estaria lá para ajudá-lo, e ele sabia que isso era inteiramente culpa sua.
— "Como que foi que a gente chegou nesse ponto, 'omi?" sua voz baixa, porém firme, reverberava no silêncio do sertão. "Aquele homem é desprezível, mas confiou em mim, me deu poder, e você... você me enganou, Dedo Torto. Acreditou que eu seria fácil de manipular, que eu era só mais uma mulher qualquer. Mas eu não sou mulher dessas de se enganar não."
Ela deu um passo à frente, mantendo a arma firme entre as sobrancelhas grossas do marido. A lua iluminava seus traços duros, a expressão de alguém que carregava o peso dos segredos que a cidade jamais poderia saber. Dedo Torto abriu a boca para falar, mas as palavras morreram na garganta. Pela primeira vez, ele entendeu que estava diante de alguém mais implacável do que ele próprio.
A tensão no ar era palpável, e o tempo parecia congelar enquanto Célia considerava seu próximo movimento. Ela sabia que tinha o poder de acabar com tudo ali, naquele momento. No entanto, uma parte dela hesitava, como se ainda estivesse decidindo entre vingança e justiça.
O vento soprou, levantando poeira ao redor deles. O primeiro disparo foi ecoado na vastidão da mata, uma rajada apavorante acompanhada pelo grito da ave que fugiu com o som repentino. Naquela noite o vilarejo se calou, sabendo o que tinha acontecido.
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Delegado Dedo Torto
AçãoNo vastidão Nordeste antigo, a lenda do delegado Dedo Torto ecoava por entre os povoados e serras áridas da caatinga. Amado ou odiado, sua história cheia de aventuras eram lembradas vividamente por quem o conheceu em seus anos de glória. No entanto...