Capítulo 2

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1807

Ao entrar no escritório, trinquei os dentes, sentindo a tensão no ar enquanto o olhar do meu sogro permanecia fixo em mim. Sua postura era rígida ao fechar a porta e caminhar em direção à mesa. Estávamos a sós—algo incomum, já que sempre havia a presença da minha dama de companhia ou do meu marido. Agora, como viúva, as coisas haviam mudado. Eu não estava acostumada a essa nova dinâmica, e talvez, aos olhos daquele homem, eu já não fosse mais digna de ser considerada sua nora.

— Sente-se — ordenou, a voz firme e fria.

— Agradeço a gentileza, senhor, mas prefiro ficar de pé — respondi, apertando os sapatos que ainda segurava nas mãos. Meus dedos dos pés estavam congelados, e a terra úmida entre eles parecia se enraizar em minha pele.

— Pois bem — ele disse, sem desviar o olhar. — Acredito que saiba que, no testamento de meu filho, toda a fazenda ficou em seu nome.

— Sim, sei disso — confirmei.

Breton sempre me dissera que deixaria tudo para mim. Não queria que eu ficasse desamparada e, muito menos, que seu pai tomasse posse das terras caso algo lhe acontecesse. Ele sabia muito bem o que aquele homem faria se tivesse a chance de controlar tudo.

— No entanto — continuou ele, sua voz carregada de desdém —, pelo seu comportamento hoje, acredito que sua sanidade não esteja muito diferente da do meu filho. A fortuna que confiei nas mãos de vocês está sendo desperdiçada, e preciso de retorno. Sinceramente, duvido que a senhora seja capaz de manter o que ele deixou.

— Seu filho era um homem brilhante, só precisava de apoio... — tentei argumentar, mas ele me interrompeu.

— Meu filho era um louco! — rebateu, com um brilho de fúria nos olhos. — Por sorte, teve um padre que o guiou, evitando que sua alma fosse condenada ao inferno, isso, claro, se já não estiver lá, por não ter cometido um pecado ainda maior ao tirar a própria vida.

— Senhor Floquet, se me permite dizer...

— Não — interrompeu furioso —, a senhora e meu filho foram imprudentes, e não vejo a menor possibilidade de a senhora conseguir alguma coisa. Nem tem os estudos daquele incompetente que, ainda assim, insisto em dizer que era meu filho.

— Se não é capaz nem de me ouvir... — bufei, soltando um riso irônico. — Agora entendo por que Breton não conseguia falar com o senhor. Ele precisava muito da sua presença na vida dele, mas, pelo visto, era incapaz de ouvi-lo e de compreender como ele era brilhante e um homem incrível.

Minha mente vagou para uma das tardes em que Breton, após uma chuva rotineira, estava no meio do campo, encharcado, sentado entre as flores. Seus cabelos pingavam, e mechas caíam sobre seu rosto pálido, com as maçãs do rosto rosadas pelo frio.

— O que está fazendo aqui, meu amor? — Me agachei na frente dele.

Breton levou o dedo indicador aos lábios em um gesto de silêncio e sorriu.

— Escute, querida — disse ele, suspirando e fechando os olhos.

— Não estou escutando nada — comentei, um tanto desapontada.

— Preste atenção, Geneviève. — Seus olhos encontraram os meus de forma intensa, como se pudesse enxergar minha alma, e eu podia ver a dele, a de um menino que precisava ser acolhido. — Elas cantam para nós; precisa prestar atenção na melodia.

Naquela tarde, nós dois ficamos cantando para as flores, como se estivéssemos compartilhando nossos maiores segredos da alma com elas. Era uma leveza indescritível, algo que nem as melhores poesias poderiam capturar. Viver com Breton era como tocar o universo e sua vastidão, e ao mesmo tempo, experimentar o perigo todos os dias.

Contrato de Judas - Pitch BlackOnde histórias criam vida. Descubra agora