Capítulo I

131 12 4
                                    


O grupo formado parecia adequado para sobreviver, ou era isso que Avery dizia a sua mente para tentar se manter com o mínimo de sanidade que um lugar como aquele poderia permitir ter. A maioria eram descartáveis que estavam em seu submarino, mas não demorou para encontrar um grupo mais antigo que acolheu os sobreviventes do primeiro encontro com uma criatura daquele lugar.


Deus havia abandonado os humanos que estavam ali a muito tempo, o sobrevivente mais antigo — de quase duas semanas— tinham os olhos mais abandonados em sua face, suas falas vezes poderia ser desconexa e incerta, mas seu conhecimento era passado e absorvido por todos.


No terceiro dia o grupo havia sido reduzido para no máximo sete membros, os demais perdendo suas vidas para os monstros. Avery parecia se manter firme, seus olhos avoados faziam todos esquecerem de a questionar como alguém que poderia dar boas instruções e sugestões. Era melhor assim.


— Avery? — A única mulher do grupo chamou, suas mãos entregando uma lata de refeição pronta menos de dois dedos do fim para que pudesse se alimentar— Os meninos estavam falando de ir até uma loja.


— Loja? — Ela questionou imaginando estar escutando loucuras, seus olhos piscando tentando entender quando sua mente começou a inventar vozes.


— Sim, eu também não entendi, mas tem uma criatura que vende coisas nesse lugar— Sua fala era incerta, apenas repetindo o que os mais velhos ali disseram— Falaram que estamos quase chegando na sala dele.




Seus dedos digitaram as primeiras planilhas com certa velocidade, focada demais na tela pelo próprio bem de seu coração. A impressora do local era ruidosa, a todo instante sendo usada pelos funcionários para obter as cópias de entregas de resultados para a supervisora.


Avery sentiu ser encarada, suas mãos parando de digitar enquanto ela virava seu rosto para trás procurando alguém em meio ao fluxo de funcionários que pudesse estar a vistoriando. Ela viveu tempo demais nas profundezas atrás de um cristal para desconhecer aquele instinto de sobrevivência, mas não existiam olhos e supervisor algum na região para um formigamento se prolongar por tanto tempo.


Avery voltou seu foco a tela do computador, seus olhos indo aos seus dedos que se perdiam errando coisas básicas, era tão estranho e irritante. Parando, suspirou alongando seu corpo, a mão tocando seu pescoço tentando eliminar a frustração.


— É o lugar— Ela repetiu milhares de vezes como um mantra — É o lugar...


Seus dedos novamente erraram e ela decidiu que seria o momento de parar, aquela sensação de alguém lhe encarando sendo tão perturbador que sua mente parecia lhe avisar — gritar— que algo a caçava com objetivo de devorar.


E ela encarou onde Sebastian Solace estaria imaginando que sua face seria aquela igual suas primeiras horas de trabalho, no entanto o que lhe esperava revelou de onde vinha aquela sensação: rosto distante o suficiente para apenas não aparecer em seu campo de visão, olhos afiados que devoravam cada misero segundo de seus movimentos e existência.


Era ele e Avery queria poder entender o que estava passando em sua mente. Será que ele descobriu que era ela? Será que ele havia escutado alguma conversa sobre a nova cientista ser uma sobrevivente? Ou era apenas uma forma dele de passar seu tempo?


Seus olhos piscaram de forma lenta em resposta ao brilho sobrenatural que ele possuía em sua três orbes. Sebastian se moveu erguendo seu corpo como se Avery tivesse acabado com seu interesse ou curiosidade, seu corpo flutuando naquele aquário com tédio mortal.




— Ei amigão! Aqui! — Uma voz falou um pouco distante, seu timbre correndo de uma passagem que fez Avery parar e encarar com suspeitas infinitas.


— O que foi isso? — Sua dupla feminina questionou enquanto o mais velho do grupo se agachava em frente ao duto de ventilação— Tem uma pessoa lá dentro?


— É aquela coisa que eu falei— A voz disse se agachando, seus braços adentrando o caminho que rangia— Vamos logo, as criaturas podem escutar essa merda de duto ranger.


— Oh porra! — Foi automático enquanto cada um competia para ser o próximo a entrar e garantir que continuasse vivo. Mas Avery se manteve afastada do grupo, seu corpo rente a parede enquanto esperava sua vez chegar.


E não demorou muito para que ela estivesse engatinhando, seus olhos seguindo a movimentação de seu grupo até que uma luz indicasse o fim do duto ligando a uma sala. Seus pés tocaram o chão quando uma luz amarelada acendeu.


— Bem-vindo! Bem-vindo! Não tenha medo, eu não vou te machucar— A criatura que dizia tal frase era gigante, seu corpo mutado geneticamente tinha uma forma que poderia assustar a muitos — Apesar do que você viu, ouviu e escutou de alguém, meu nome é Sebastian. Seu único amigo.


Avery passou seus olhos com cuidado pela longa cauda, uma mistura de tantos animais marinhos que ela gostaria de passar horas apenas tentando saber quais eram. O final, uma nadadeira caudal de baleia sendo um dos únicos pontos de total certeza, foram a isca do peixe pescador que brilhava iluminando a sala.


— Se não me engano, seus supervisores te pediram para recuperar alguns arquivos soltos: documentos, USBs, enfim. De qualquer forma se me permite tomar um pouco do seu tempo, eu gostaria de lhe propor um acordo. Se você me entregar quaisquer pesquisas que encontrar por aí eu posso-lhe oferecer alguns desses itens que eu encontrei em troca. Aqui, vocês podem dar uma olhada neles na minha cauda.


Avery sequer se interessou na fala automática de negociação, seus passos apressados apenas para usar tudo como desculpa para ver Sebastian mais de perto. Enquanto o restante do grupo parecia um murmúrio sobre se podiam confiar e o mais velho tentando os acalmar, seu cabelo rosa claro precisava ser puxado para que ela não tivesse nada atrapalhando sua visão.


Ela demorou, tão perdida em todos os pensamentos que sequer viu quando os demais se aproximaram para pegar os itens de compra dando a moeda de troca ao vendedor, não, Avery nem notou quando os primeiros sons de metal rangendo avisou que eles estavam partindo.


— E você? — A voz não tinha mais interesse forçado, sequer uma tentativa de carisma de vendedor. Sebastian a olhava como se encarasse um ser inferior e analisava aquela figura sorrir como um cachorrinho filhote — Anda logo ou saia daqui.


— Oh... Verdade... Hum... — Seus olhos foram rápidos em analisar o que ela precisava e os pegando, puxou o valor de dentro de seu bolso de macacão. Sebastian deixou suas duas mãos juntas enquanto a terceira se abaixava para receber seu devido pagamento por aqueles itens— Podemos discutir um desconto, Sebastian? 


Sombras Submersas / Sebastian SolaceOnde histórias criam vida. Descubra agora