CAPÍTULO DOIS

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"Mudanças são essenciais"

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"Mudanças são essenciais"

Los Angeles × Estados Unidos
×21/09/2027×


O QUE É O AMOR?  Não sei ao certo como responder essa pergunta. Talvez não amei o suficiente para descobrir como é esse sentimento. Das poucas coisas que realmente amei, estão o skate e a fotografia. Duas das coisas que eu julgo realmente valer a pena lutar. Lembro de quando eu andava de skate. Era tão..libertador. Eu me sentia viva. Até aquele dia, aquele maldito dia vinte e um de junho. Ele ficou marcado em mim. Não pelas boas coisas, mas por um acontecimento que mudou completamente minha vida.

Lembro até hoje, tentei fazer uma manobra quase impossível. Fui incompetente por acreditar que conseguiria, e essa incompetência custou minha carreira. Isso me deixa com tanta raiva de mim mesma que... Ah! Não gosto nem de lembrar. Mas resumindo, eu tive uma lesão horrível, que me forçou a encerrar minha carreira  no skate. Após isso, comecei a me afastar de tudo aquilo que me lembrava do skate, até mesmo de  pessoas. Me afastei de pessoas quem eu amava, me mudei, mudei minha aparência, mudei minha personalidade. Se eu me arrependo? Não. Faria a mesma coisa, de novo e de novo. Só eu sei o que é o melhor pra mim mesma. Só eu sei.

— Juju? Terra para Juju!

Sou despertada de meus pensamentos por uma voz feminina irritante, na qual consigo deduzir que era Mônica, minha amiga e colega de trabalho.

— Oi Mônica..— falo com uma voz seca. — O que você quer? — falo enquanto dou uma tragada.

— Só queria saber se você tá bem..e fumando de novo?

— Fumando é uma palavra muito forte, estou relaxando. — Eu me viro para Mônica enquanto apago o cigarro — Qual o problema?

— O cheiro é horrível. Mas já até me acostumei!

— Só isso?

— Na verdade...já deu o horário do almoço, aí pensei em te chamar para ir comer. O que acha?

— Pode ser. — Falo num tom meio desinteressada, pois sabia que eu não podia recusar.

Vejo a mesma dando um sorriso de canto.

— Te espero então, okay?

— Tá. Vai lá, não vou demorar.

Vejo a garota se afastar, e viro novamente para a varanda, vendo a cidade. Eu adorava Los Angeles, mas prefiro o Rio. Minha casa. Às vezes penso o que aconteceria se tivesse ficado lá dês do início. Talvez não me apaixonaria pelo skate, talvez eu ainda fosse feliz. Mas não, minha família tinha que escolher ir para São Paulo, a terra das "oportunidades". Me mudei pra lá aos 10 anos. Pra mim, se aquela mudança não tivesse acontecido, eu seria muito mais feliz. Foi lá onde minha inocência acabou, onde descobri que nem todos querem meu bem, que algumas pessoas só querem se aproveitar. Foi lá que conheci aquele babaca do Ícaro, meu ex namorado. Conheci ele aos 15 anos, no início, era tudo mil maravilhas. Eu me sentia apaixonada por ele, mas com tempo, descobri que não era amor. Ele parecia ser um cara gentil e amoroso, porém, com o tempo ele parecia ficar cada vez mais possessivo. Ele me privava de ver minhas amigas e eu não podia sair sem ele. Na época achei que todos os caras eram assim, e que era algo normal, porque afinal, ele só queria meu bem... Certo?

Errado.

Eu era jovem e ingênua, mal sabia que aquilo era controle, não cuidado. Ele dizia que estava fazendo tudo por amor, mas amor não é prisão, e eu aprendi isso da pior forma. Quando comecei a me destacar no skate, ele não suportou. Minha liberdade, meu sucesso, meu brilho próprio, tudo o que fazia parte de mim o incomodava. Ele não queria que eu fosse maior que ele, e eu não percebia. Fiquei presa naquela relação por tempo demais, me iludindo, acreditando que aquilo era o que eu merecia.

Até que o skate se tornou minha única fuga. Quando estava sobre a prancha, deslizando pelas ruas, nada mais importava, nem o Ícaro, nem minha família que estava sempre tão distante emocionalmente, nem o mundo ao redor. Ali, eu era eu mesma, livre, sem amarras.

Até o dia da queda.

O dia em que tudo acabou.

Depois da lesão, perdi não só minha carreira, mas também minha razão de existir. Não tinha mais o skate para me salvar, para me libertar. Ícaro aproveitou minha fraqueza, e naquela época, eu o deixei. Ele me controlava, minha dor me controlava... e eu só queria desaparecer.

Mas eu não desapareci. Eu mudei.

Mudei de país, vim para Los Angeles em busca de uma nova vida, longe de tudo e todos, incluindo ela, Rayssa Leal.

Rayssa era minha parceira de treino, minha melhor amiga e, talvez, minha última conexão real com quem eu era antes de tudo desmoronar. Nós passávamos horas juntas nas pistas, aperfeiçoando manobras, rindo das quedas, comemorando as vitórias. Ela era a luz em um momento escuro, alguém que me fazia lembrar por que o skate importava tanto.

Mas depois do acidente, eu não suportava vê-la. Cada vez que olhava para Rayssa, via meu passado brilhante refletido em seu talento crescente. Ela estava no auge, prestes a conquistar tudo o que eu perdi. E isso me destruía. Não queria sentir inveja, não queria sentir amargura, mas era exatamente isso que se instalava em mim a cada olhar, a cada conversa.

Então, me afastei. Sem explicações, sem despedidas. Deixei Rayssa e tudo que ela representava para trás quando vim para Los Angeles.

Lembro de ver seu nome em manchetes após uma competição vitoriosa e senti uma mistura de orgulho e tristeza. Ela tinha conquistado o que sempre sonhou, e eu? Eu estava aqui, vivendo uma vida que eu mal reconhecia, tentando me convencer de que as escolhas que fiz eram as certas.

Mas será que eram?

Os pensamentos me envolvem novamente enquanto olho para o horizonte da cidade. Rayssa provavelmente já me esqueceu. Eu, por outro lado, penso nela mais do que gostaria de admitir. A amizade que tivemos, os sonhos que compartilhamos, tudo foi embora junto com a minha carreira. Será que, se eu tivesse ficado, as coisas teriam sido diferentes? Será que ela teria lutado por mim, como eu lutei tantas vezes por ela?

Antes que eu possa me afundar mais nessas perguntas sem resposta, sou interrompida por Mônica novamente, agora batendo levemente na porta da varanda.

— Juju, tá pronta? — ela pergunta, hesitante, provavelmente percebendo a intensidade no meu olhar.

— Sim, estou pronta — respondo, apagando os últimos resquícios dos meus pensamentos junto com o cigarro que nem percebi que acendi novamente. — Vamos almoçar.

Enquanto caminho ao lado de Mônica, me pergunto até quando vou conseguir evitar essas memórias. Até quando vou fingir que deixei tudo isso para trás, quando, na verdade, ele — e ela — ainda vivem em mim, como sombras de um tempo que não volta mais.

Mas a vida continua, não é? Eu só preciso continuar também..

| "Após ela senti tanta dor, seu mundo se tornou incolor."

Volte para Mim - Rayssa LealOnde histórias criam vida. Descubra agora