Capítulo 1

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Soube, no momento que nasceu, que seria uma vida de dor. E essa certeza era a única coisa que tinha consigo, a única coisa que podia agarrar para sobreviver. Sim. A palavra era exatamente essa, o legado herdado de sua recém falecida mãe, "sobreviva", a única palavra que ouvira.

Cada milímetro do corpo resmungava em exaustão. Os nós do punho ardiam devido ao atrito constante com o saco de pancada a sua frente. Já havia esfolado os dedos em noites como essas antes, noites onde precisava não pensar, onde precisava depositar sua ansiedade com violência em algo.

O cabelo castanho escuro pendia de um lado para o outro enquanto continuava desferindo socos. O suor descia contornando o rosto feminino que contava com algumas cicatrizes já do tempo.

- Um dia daqueles? - A voz masculina veio de trás de si, perto da porta da quadra de treinos.

Não respondeu.

- Diana, eu sou seu superior, você não pode passar a semana me ignorando. - Dessa vez usou um tom mais firme.

A mão reclamou quando atingiu o alvo com mais violência do que os socos anteriores. O ritmo aumentou à medida que tentava controlar a raiva crescente no peito. A visão estava turva e avermelhada.

O galpão de treino B não era muito usado. Os equipamentos eram velhos, a iluminação era precária. A tinta da parede começava a dar sinais de descascamento devido ao tempo, mas a solidão compensava. Esse era o plano quando decidiu treinar ali naquela madrugada, ficar sozinha. E em sua mente conseguiu continuar, a única coisa que existia no mundo era o saco de pancadas na sua frente.

- Quer saber. Amanhã nós conversamos. Passe na minha sala assim que iniciar seu horário.

Sentiu o abdômen descontrair ao sentir o homem se afastando. Já ao longe a voz retomou.

- Controle seu temperamento, garota. Esse é seu ponto mais fraco.

O ouvido começou a zunir. Soco atrás de soco os nós do punho começaram a se abrir, sangrando enquanto os nervos ficavam cada vez mais expostos. A dor era boa, lembrava de que era real, de que era em parte humana apesar de tudo, apesar de em parte também não ser.

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Não sabia se a cabeça tinha começado a latejar no momento em que acordou ou se acordou porque a cabeça não parava de latejar. Com as mãos em formato de concha pegou a água fria e levou até o rosto na busca de algum alívio. Há uma semana andava com a cabeça latejando e o corpo ardendo em raiva e ansiedade.

Nada naquilo estava certo ou "tudo bem" como Luis fizera questão de lhe dizer repetidas vezes. Não era a única que pensava assim, os corredores da Fortaleza não só tinham ouvidos, mas também tinham bocas. Comentários de todos os tipos perambulavam e a maioria não demonstrava muito otimismo.

Apesar da aparência imponente de um homem de meia idade que cultivava um físico militar em forma, a liderança já estava um tanto desgastada, as palavras de Luís que uma grande parceria acabava de ser firmada e isso era motivo de pelo menos otimismo generalizado, já não geravam o efeito que teriam algumas décadas atrás.

- Malditos vampiros. - Pensou alto coçando a cabeça.

Fazia tempo que o pensamento sobre décadas e a existência de uma vida eterna não passava pela cabeça de Diana. Ainda de frente a pia do banheiro contemplou seu reflexo olhando atentamente, investigando em seu rosto lugares onde já deveriam ter começado a aparecer algumas marcas de expressão. Desde quando tinha parado de envelhecer? Desde quando tinha se acostumado a ser jovem para sempre? Desde quando tinha aceitado a ideia de ser menos humana?

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