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MAÍRA

Alguns anos atrás...

Eu sabia que algo estava errado naquele dia. Desde o momento em que vi ele de longe, com as mãos nos bolsos e aquele olhar perdido, meu coração acelerou. Rafael sempre foi mais calado, mais contido. Eu sempre fui o oposto. Talvez fosse isso que nos fazia tão bem juntos, como duas partes de um quebra-cabeça que se encaixavam sem esforço. Mas naquele dia, algo estava diferente.

Eu estava sentada no banco de sempre, na pracinha do morro, esperando ele chegar. Já fazia alguns meses que a gente se via escondido, sempre com aquele cuidado de não deixar ninguém perceber o que rolava entre a gente. E quando falo "ninguém", estou falando do meu irmão.

A sombra do Murilo pairava sobre tudo. Desde o começo, Rafael tinha medo do que poderia acontecer se ele descobrisse. Meu irmão era durão, todo mundo sabia disso. Ele  estava sendo preparado para cuidar do morro com mão de ferro e protegia a família como um leão. Mas eu não via motivo pra tanto medo. Eu e Rafael nos amávamos, e o que tinha de errado nisso?

Rafael chegou. O jeito dele, os passos lentos, já me davam um sinal. Não era o mesmo de sempre, o cara que me olhava como se eu fosse o centro do mundo. Quando ele parou na minha frente, me encarou por um segundo, mas sem dizer nada. Ele estendeu a mão e me puxou pelo braço, me levando para longe da pracinha, afastando a gente de todos os olhares curiosos que poderiam estar por ali.

— Vem comigo. — ele disse, a voz baixa e tensa.

Meu coração apertou de imediato. Eu queria perguntar o que estava acontecendo, mas fiquei em silêncio, apenas acompanhando ele até um canto mais isolado, longe das pessoas.

Quando ele parou, soltou meu braço, mas ainda sem me encarar. Aquele silêncio dele estava me matando por dentro.

— O que foi, Rafa? — perguntei, tentando manter a calma, mas o nervosismo já me pegava.

Ele respirou fundo, e eu vi suas mãos se apertarem. Ele não respondeu de imediato, e eu soube que algo ruim estava por vir.

— Maíra, a gente precisa conversar. — ele finalmente disse, com a voz mais baixa que o normal.

Ele não tinha me chamado de "amor", mas sim de Maíra.

Senti um nó se instalar na minha garganta.

— Conversar sobre o quê, bebê? — Eu tentei sorrir, mas meu coração já estava se apertando no peito.

Ele suspirou, e o silêncio que seguiu foi mais doloroso que qualquer palavra. Eu já sabia o que estava vindo, mas uma parte de mim se recusava a acreditar.

— A gente não pode continuar com isso, Maíra. — ele disse, finalmente me encarando.

Meu estômago afundou, como se tivesse levado um soco. Minhas mãos começaram a tremer, mas tentei disfarçar, apertando uma contra a outra.

— Como assim, Rafael? — perguntei, a voz mais fraca do que eu queria.

Ele desviou o olhar, encarando o chão. Era óbvio que ele estava lutando consigo mesmo. Ele me amava, eu sabia que amava.

— Eu não posso continuar te enganando. Isso aqui... Eu e você... Isso não vai dar certo.

— Claro que vai dar certo! — retruquei, com a voz subindo um pouco. — O que tá pegando, hein? Por que a gente não pode contar pro Murilo e resolver logo isso?

Ele finalmente me olhou de novo, e eu vi nos olhos dele o medo que ele tinha do meu irmão, mas eu não achava que ele iria fazer nada contra Rafael. Eles eram amigos.

— Eu não posso, Maíra... — ele disse, quase num sussurro. — Se o Marreta souber de uma coisa dessas, ele vai me matar, sabia disso? Eu não quero perder a amizade do teu irmão.

Eu fechei os olhos por um segundo, tentando controlar a raiva e a mágoa que estavam crescendo dentro de mim.

Não era justo! Por que eu tinha que perder o cara que eu amava por causa do medo dele? Eu não queria esconder mais. Não queria mais ter que nos esconder. Eu queria que ele tivesse coragem de ficar comigo, de encarar tudo.

— Mas quer jogar fora o que a gente tem? Então é isso? — eu disse, com a voz trêmula. — Você vai jogar tudo fora só por causa do medo que tem do meu irmão, Rafael?

Ele ficou em silêncio por um tempo, e aquilo me matou. Como ele podia jogar tudo fora tão fácil?

— Eu tô tentando proteger a gente... — ele murmurou, mas eu já não conseguia ouvir mais desculpas.

— Proteger a gente? Ou proteger você mesmo? — Eu levantei, sentindo a fúria subir pelo meu corpo. — Porque pra mim parece que você tá com medo e tá se escondendo atrás disso!

Rafael ficou de pé também, mas ele não veio até mim. Ficou parado, como se estivesse congelado no lugar.

— Meu bem, me escuta...

— Não! E não me chama mais assim, entendeu? — eu gritei. — Eu não vou mais escutar! Eu cansei de ter que me esconder, de fingir que a gente não existe. Ou você encara isso comigo, ou...

Eu parei de falar, porque a dor era demais. Eu sabia que ele não ia. Eu vi nos olhos dele que ele já tinha decidido. E aquilo me destruiu.

— Eu sinto muito. — foi tudo o que ele disse.

Eu dei um passo pra trás, sentindo o chão sumir debaixo dos meus pés. Eu não conseguia acreditar. Como ele podia me deixar assim? Como ele podia desistir tão fácil?

— É assim que vai ser? — perguntei, com lágrimas nos olhos.

Rafael olhou pra mim, a expressão dele era de dor, mas ele não fez nada. Ele não tentou me segurar, não tentou me convencer do contrário. E isso foi o que mais doeu.

Eu virei as costas e comecei a andar, tentando conter o choro. Mas antes que eu pudesse dar mais do que alguns passos, ouvi uma risada familiar.

Luciana.

Eu virei a tempo de ver Rafael se aproximar dela. Ela estava ali, perto da escadaria, observando tudo. E então, como se eu não estivesse ali, como se nada do que a gente tivesse vivido importasse, ele puxou Luciana e a beijou.

Foi como se o mundo tivesse parado por um segundo. O ar sumiu dos meus pulmões, e a dor que eu já estava sentindo se multiplicou. Não era só o término. Ele estava me humilhando. Na frente dela. Na frente de todo mundo que estava ali.

Eu fiquei congelada, vendo os dois se beijarem. Tudo ao meu redor parecia se apagar. O som, as pessoas... Tudo. Só existia aquele momento. Aquele beijo que ele deu nela para me afastar de vez.

Quando eles se separaram, ele finalmente olhou pra mim. Mas eu já não queria mais ouvir nada. Virei e saí dali o mais rápido que pude, com as lágrimas finalmente caindo.

Corri. Não sei pra onde. Não sei por quanto tempo. Só sei que precisava sair dali. Tudo o que eu queria era escapar daquela dor, daquela humilhação. E foi naquele momento que decidi: eu não ia ficar. Eu não ia deixar que ele ou qualquer outra pessoa me fizesse passar por aquilo de novo.

Naquele dia, deixei o morro. E deixei Rafael pra trás também.

Uma Segunda Chance: A história de Maíra e RafaelOnde histórias criam vida. Descubra agora