Capítulo 15: Mas Eu Quero!

0 0 0
                                    

Mesmo falando com a Raquel todos os dias, o alívio que ela costumava trazer está meio perdido. Não é só a distância que está me afetando; é a constante presença do meu pai. Quando converso com ela, a conversa nunca é só entre nós dois. É como se, a cada vez que eu falo, o pai se intrometesse, mesmo sem abrir a boca. A presença dele está sempre ali, tornando cada troca de palavras uma interação em três, com o pai sempre colado.

Eu nunca mais tenho um momento a sós, nem mesmo conversando com a Raquel. É como se toda conversa fosse constantemente invadida por essa presença, onde qualquer diálogo entre mim e a Raquel se transforma em uma troca coletiva, mesmo que o pai não esteja participando ativamente. Reclamar disso? Não consigo. Meu pai está tentando de boa-fé fazer o melhor para ajudar, mesmo que isso signifique estar grudado em mim o tempo todo. Reclamar seria como criticar alguém que está fazendo tudo o que pode para ajudar, mesmo que o resultado não seja o que eu esperava.

E hoje não foi diferente. Fui falar com a Raquel sobre o aniversário do Davi e sobre a festa que a gente estava organizando. Eu realmente queria que ela estivesse aqui para ver isso, mas a conversa não teve chance de acontecer como eu esperava. O meu pai estava tão empolgado com a festa, que acabou tomando conta da conversa. O resultado foi que, em vez de ser uma conversa entre eu e a Raquel, acabou se tornando uma conversa entre a Raquel e ele.

Mas logo depois dessa interessante conversa entre os dois, as encomendas do meu pai começaram a chegar. Digamos que a reação do Davi não foi exatamente a que o meu pai esperava, mas foi exatamente o que eu tinha certeza que aconteceria. Davi não gosta muito dos Vingadores, então a expressão de decepção nos seus olhos ao ver tudo com aqueles personagens dominando todos os objetos era cômica.

— Que cara é essa, Davi? — perguntou meu pai, claramente decepcionado com a reação do meu irmão. — Eu pensei que tu ia gostar de uma festa de aniversário...

— E eu ia, se fosse de manhã... na piscina... ou se pelo menos eu tivesse escolhido o tema... Aliás, eu nem queria uma festa com tema de criança... já são doze anos...

— Mas eu pensei que tu gostasse disso. Teu quarto é cheio de boneco desses heróis.

— Não é desses, pai. É dos Jovens Titãs.

— E não é tudo a mesma coisa?

— Claro que não.

— E o que tu quer que eu faça agora? — A expressão no rosto do meu pai era quase de desespero, não por ter errado o tema, mas parecia ser mais do que isso.

— O problema não é o que o senhor vai fazer agora, pai — eu respondi, antes que Davi falasse mais alguma coisa. — É o que o senhor deixou de fazer.

— Como assim?

— Eu sei que o senhor fez o melhor que o senhor podia... mas não adianta tentar ajudar se o senhor não sabe como a pessoa quer ser ajudada.

— Oiê! — Do nada, a voz de Milena interrompeu a conversa. — Interrompo?

— Eu te conheço? — perguntou meu pai, surpreso com a presença daquela garota na nossa sala.

— Pai, essa é a Milena... aquela Milena... aquela... entendeu?

— Aah, sei — disse meu pai após alguns segundos, finalmente lembrando de quem eu estava falando. — Prazer te conhecer. Só te conhecia de ouvir falar e ontem por mensagem...

— O prazer é meu... Cheguei mais cedo pra poder ajudar, normalmente é uma bagunça organizar festa.

— Muito obrigado, mas... acho que... não sei nem se vai ter festa.

— Como assim? — Davi gritou, com um tom que mostrava mais indignação do que dúvida.

— Ué? Tu não acabou de dizer que não queria de noite, nem dos Vingadores?

— Mas eu não disse que não queria festa, só que não tava legal desse jeito.

— E então?

— Posso falar? — eu perguntei. — Ao invés de cancelar com quem o senhor chamou, só avisa que vai ser de tarde, pra trazer outra roupa pra poder entrar na piscina. E se o problema é a decoração ser coisa de criança, só cancela a decoração.

— Pronto! — Davi falou, empolgado. — Assim tá ótimo. Mas só pra eu saber... quem o senhor chamou?

— Teus professores, os meninos da tua sala e a Milena aqui.

— Pera, o senhor chamou a professora de Biologia?

— Chamei.

— Aaaaaaaaahhhh! — Davi gritou, saindo em disparada.

— O que aconteceu? — Milena perguntou.

— Ele odeia essa professora — eu respondi.

— E eu tinha que adivinhar isso? — perguntou meu pai.

— Não, pai — eu respondi. — Mas o senhor poderia ter perguntado antes de convidar as pessoas... Aposto que o senhor esqueceu de chamar a Lívia.

— Quem é Lívia?

— Ela é do 7° ano e o Davi é doido por ela. Então tem que vir ela, as amigas dela, e tem uns meninos do 5° que também são amigos dele.

— E por que tu não me disse isso antes?

— Porque o senhor fez tudo sozinho sem falar nada com ninguém.

— Espera aí — Milena interrompeu. — Erick, você conhece o Davi melhor que qualquer um. Fala com os convidados sobre o horário e chama quem o Davi ia gostar que estivesse aqui. Ricardo, o senhor pode falar com o pessoal da decoração pra não vir mais, ver com a comida se pode ser servida mais cedo e...

— Eu acho que o buffet não muda o horário assim de última hora, e o Davi não gostou nem dos descartáveis — meu pai interrompeu.

— Então pode cancelar e vem comigo lá pra casa.

— Como assim?

— A comida da minha mãe é uma delícia e lá em casa tem uma lojinha, a gente troca o que o senhor comprou pelo que tiver lá, fala com minha mãe pra ela preparar a comida... E se não der, a gente chama mais alguém pra ajudar.

— E quem fica com o Erick?

— Eu posso ficar sozinho com o Davi, pai. E a diarista que o senhor chamou ainda tá aqui.

— Não, eu não quero tu sozinho.

— Mas eu quero! — Essa resposta saiu com mais força do que eu esperava, quase como se tivesse saído por conta própria.

A surpresa no rosto do meu pai foi clara, mas ele apenas assentiu.

— Pega teu celular, se precisar de mim, liga. E pode começar a falar com os convidados. Logo o Davi aparece de novo e tu explica tudo pra ele.

— Ok.

Meu pai subiu, trocou de roupa e, junto com Milena, saiu no carro para resolver tudo que ficou combinado. A agitação e correria foi um alívio inesperado, que me fez voltar a sentir vivo. Por um tempo, cheguei a esquecer da perna e da cadeira. Estava focado em chamar os convidados que eu sabia que deixariam o Davi feliz. Aproveitei e chamei uma máquina de espuma, que com certeza iria gerar várias memórias boas pra ele. Poder me sentir útil me fez entender o verdadeiro significado da palavra "revigorante."

Entre Amor e ExpectativaOnde histórias criam vida. Descubra agora