Capítulo 1: A Amaldiçoada Yvaine Homan

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    ִֶָ☾.

  Piso em falso em meio às poças d'água que se formam na estrada irregular do mercado esbarrando em uma senhora.

—Olhe por onde anda!— Grita a mulher ao me empurrar de volta à rua sem nem olhar, me fazendo cair.

Caída numa poça d'água suja em meio a rua, com as botas sujas até o tornozelo e uma capa barata que mal cobre-me direito, é inevitável não prolongar meus pensamentos persistentes sobre a má sorte enraizada em mim. Uma pequena mãozinha em meio a chuva, no entanto me faz lembrar que estou no meio da rua no chão de maneira lamentável.

A pequenina de cabelo amarrado em pequenas popinhas estende uma das mãos em minha direção, enquanto a outra segura firme um ursinho encardido, sutilmente sorriu seguro delicadamente sua mão, ao passo em que uso a outra para empurrar o chão e me levantar num pulo, a senhora que cuidava da menina pareceu lembrar do fato, quando me viu de pé com mais que o triplo da altura da garotinha e mais de um terço da sua própria.

—Ora Aine não dê a mão para estranhos e você...—A garota se sabia falar ficou muda e a sua protetora tanto quanto, ao olhar para mim, não necessariamente para mim de fato e sim para os três lobos e o nó duplo do brasão na lateral superior do meu braço, agora descoberta devido ao pulo que dei.

—M-Minhas mais sinceras d-desculpas, vo-vossa senhoria , não quis de-derrubá-la.

Quis sim! Foi o que pensei, mas temi que ela fosse cair se o dissesse.

Ignorando-a pude perceber o que a barraca logo atrás dela vendia .

Contornei a mulher e sua menina, deixando uma moeda de prata sobre a bancada, muito mais do que vale a maçã que peguei, vermelha e grande demais para garotinha a qual lhe daria, abaixei-me em sua altura lhe ofereci a fruta, receosa ela olhou para que devia ser sua mãe que apenas assentiu com a cabeça, aproximou-se e com dificuldade agarrou a maçã ao peito e me agradeceu com uma reverência desajeitada e com que imagino que fosse um sorriso.

Antes de me virar completamente para ir embora a mais velha recobra a voz e diz:

—Muito obrigada vossa senhoria?...— Sua afobação não abafa o tom de questionamento. Ela havia visto o brasão não tinha porque dissimular.

—Homan... Yvaine Homan—Digo por fim sem ficar para ver sua face repleta de choque ou terror.

Não que eu fosse um monstro daqueles que se encontra em fábulas infantis ou uma fera que come criancinhas, mas sim porque Yvaine é um dos nomes tidos pelo Império como amaldiçoados.

Y - V - A - I - N - E significa estrela da noite , segundo o dicionário, para o Império Ksora significa uma heresia .

Dizem que deve-se dar aos filhos nomes fortes, que remetem a fogo, dragões ou seus poderes, nomes que causam medo em seus aliados e terror em seus inimigos, mas nunca desrespeitem Khaleesi é a regra mais sagrada do nosso Império.

Todos aqueles que possuem nomes 'desrespeitosos' são criaturas sem sorte, a escória da sociedade, consideradas amaldiçoadas pelos próprios pais.

Está escrito em algum lugar, de algum livro de código de ética do nosso povo, o qual não vou lembrar nem que tente, que: ' todo e qualquer nome que indique ou sugira mesmo que minimamente a escuridão ou o ato ilumina-la deve ser considerado completamente ultrajante, tendo em vista que o ato de partir a escuridão pode apenas ser realizado pela nossa Deusa, Senhora e Mãe dos Dragões Ksora' seguido de uma lista de nomes com tais significados ou similares, lista a qual se procurar, caso tenha ficado curioso, vai encontrar: 'Yvaine: estrela que ilumina a noite'.

Simples ato de pronunciar tais nomes é considerado uma maldição.

Não culpo meu pai pela péssima escolha de nome, sei que suas intenções foram as melhores possíveis, acredito que nenhum outro nome ia me livrar da sorte que tenho. Vou usar desse agouro ao menos para cumprir meu último dever com minha família ou pelo menos morrer tentando.

Volto minha atenção ao mar de tendas, pessoas e bugigangas diante de mim, o antigo mercado faz valer o nome pela imensa quantidade de itens, além de um volume pavoroso de irritantes vendedores ambulantes ou não, mil e uma coisas é o mínimo que poderia encontrar aqui.

Minha lista de suprimentos é relativamente pequena apenas o necessário para os próximos dois dias de viagem e talvez um pouco mais.

Paro de solavanco desviando tão rápido quanto posso de uma velha, que caso não esteja ficando louca, surgiu do nada, entretanto caiu pela segunda vez no dia, gostaria de culpar a velhinha, porém o chão lamacento do mercado não combina com minhas perdas com tendência a queda.

—Maldita lama, porque chove tanto nesse lugar é verão...— Murmuro irrita para ninguém em específico, enquanto tento levantar.

—Vossa senhoria Homan, gostaria de um amuleto de dragão?

Olho em mim mesma, não havia nenhum indício de meu clã nem mesmo a maldita capa saiu do lugar.

Então viro-me em direção a voz uma senhora com cabelos tão brancos que parecem algodão, mãos enrugadas e aparência tenebrosa. Entretanto o que me chamou minha atenção foram seus olhos ou a ausência deles. Apesar da minha dificuldade com rostos e todos parecerem um imenso borrão, aquelas lacunas eram óbvias demais.

—É seu cheiro milady, pelo de lobo, escama de dragão e...— Ela faz um pausa respirando profundamente como se avaliasse bem antes de proferir—E sândalo, com certeza essa combinação não poderia ser outra senão um Homan, e é claro considerando a época.. É daqui a dois dias não?"

Sua informação não me passa muita confiança, com todos aqueles cheiros ali o meu não se destaca o suficiente.

—Espere tenho a coisa perfeita para vossa senhoria, vai dar-lhe sorte principalmente com esse mal jeito— Declara, enquanto tento me levantar não obtendo muito sucesso.

—Não preciso de sorte!— Replico tentando não parecer ofendida ou mentirosa, acredite em mim não funcionou.

—Não dê sorte ao azar milady, considere quem é e a sorte que tem, nada lhe cairia mal nesse momento, além do mais lembre se para onde está indo toda sorte é pouco.—recebo uma tréplica que preciso segurar meus lábios firmes um ao outro para não ficar boquiaberta.

Suspiro profundamente, todo aquele dia insistia em me lembrar da maldição que corrego a cada maldito minuto. Encaro aquela senhora metida vidente à minha frente que parecem ainda mais sinistra depois das constatações sobre a minha vida e digo da maneira mais calma que consigo:

—Nem toda sorte do mundo poderia me salvar do meu destino— O peso da verdade não soa mais tão apavorante agora, vou morrer a questão em quantos dias.

Abaixo minha cabeça e olho para mim mesma, melada de lama e conversando com uma completa estranha sobre minha morte iminente. O fim do poço nunca foi tão fundo quanto agora.

Sinto uma mão se aproximar do meu peito enganchando ali um broche preto com emblema de um dragão negro e robusto, olho a diante e vejo a velhinha o colocando em mim.

—Não quer...—Começo.

—Não se subestime tanto milady, e no fim se for tão ruim assim fique com esse broche—Quando tento pegar minha bolsa de moedas sou interrompida —Considere um presente, ele é feito da escama do dragão ancestral Bahamut se for tão azarada quanto parece, não se preocupe Bahamut tende a se afeiçoar pelas pobres almas desafortunadas"

Perguntaria a ela por que disso e outras coisas também, mas quando olho novamente para o broche e depois torno a senhora, ela não estava mais lá sumiu tão depressa quanto surgiu e lá estava eu boquiaberta, com dúvidas e sentada no chão como uma idiota.

E tudo que eu conseguia pensar era: Como você é tola Yvaine, quando tudo isso acabar vão lembrar de você como a amaldiçoada Yvaine Homan, a garota que nunca teve chance e morreu prematuramente aos noventa e nove anos.

Senhora dos dragõesOnde histórias criam vida. Descubra agora