Capítulo 2 - A Magia da Biblioteca

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Como Literata havia dito, Doutor Livrão andava muito mal. Há muito que a sua saúde estava comprometida e, agora, precisando de cuidados muito especiais. Suas partes mais vulneráveis já teriam sido condenadas, e quase nada se podia fazer a esse respeito. Os especialistas já o haviam desenganado. Doutor Livrão respirava ofegante, entre muitos ácaros, traças e cupins.

Porém, de uns tempos para cá seu estado havia se agravado bastante com a chegada do 'vírus da modernidade'.

O velho amigo, agora, contentava-se apenas com as lembranças do passado, do tempo em que estava em evidência. Mas houve uma época em que todos precisavam dele. Não havia como deixar de consultar seu vasto conhecimento e se deliciar com a sua cultura ilustrada.

_ Sim, ele foi um "ser" realmente imponente... Doutor Livrão foi o que melhor existiu no passado! Disse a professora com certa nostalgia.

A própria Literata guardava boas recordações desse tempo. Da primeira vez que o recebeu em casa - trazido pelo seu pai - numa noite de Natal.

A família reunida na pequena sala, assentados no sofá contemplando belas imagens, sentindo o perfume inconfundível de papel cartonado, banhado em tinta colorida, novinho, novinho!

Depois, sua mãe, a preparar deliciosos 'bolinhos de chuva' e outras iguarias típicas da grande ceia...

Talvez, por isso, aquele sentimento de indignação, de profunda tristeza por saber que foi graças a Doutor Livrão que Literata pode construir boa parte da sua fonte de saber. O conhecimento adquirido pelas horas da infância debruçada sobre a velha escrita sobre o papel.

E agora, ao final de uma vida inteirinha dedicada aos leitores, a velha enciclopédia passava a ser considerada um grande estorvo, um incômodo a modernidade; um ser ultrapassado que não teria mais espaço e utilidade neste mundo!

_ Que triste fim para um velho amigo! Lamentava-se Literata.

Assim, lá pelo meio da tarde, as amigas chegaram ao local para onde Doutor Livrão havia sido levado. Era um lugar lúgubre, de pouca luminosidade. Haviam grandes corredores e galerias, onde também se podia ver muitas relíquias e preciosidades.

Literata conduzia a jovem Mariazinha entre uma e outra seção, indicando cada peculiaridade daquele mundo absolutamente novo para a menina.

_ Esta aqui é a seção das obras raras! Disse Literata com entusiasmo.

_ Doutor Livrão deve estar por aqui, então? Indagou a menina.

_ Não, minha querida! Esta é uma seção muito especial onde os livros recebem um tratamento diferenciado. Todas as obras que estão guardadas aqui ficam protegidas por esta parede de vidro e apenas pessoas autorizadas têm acesso a elas.

Mariazinha demonstrava um certo assombro diante daquelas imensas paredes recheadas de livros, contudo, não escondia sua curiosidade sobre tudo o que estava ao seu redor. Prestava atenção em cada detalhe do lugar, cada título e conjunto de obras - entre os altos e baixos das prateleiras que compunham aquele magnífico ambiente!

Mais adiante, Literata anunciou a chegada na seção tão almejada.

Mariazinha mostrava-se ansiosa e não escondia sua emoção.

_ Como devo me dirigir ao seu ilustre amigo? Perguntou a menina.

_ Doutor Livrão se reporta apenas aquilo que lhe é perguntado. Explicou Literata.

_ Como assim? Indagou a menina.

_ Você deve escolher muito bem a pergunta que deseja fazer. Caso contrário terá de pesquisar em todos os seus registros até encontrar o que está procurando...

_ Mas ele não fala? Questionou a menina.

Literata sorriu. Percebeu o quanto havia despertado o interesse e sensações lúdicas na menina. Sabia que a curiosidade que permeava a sua imaginação poderia leva-la para muito mais além. Criatividade e argumentos não faltavam àquela adorável professora.

Até que, finalmente, elas ficaram frente a frente com o velho amigo.

Dona Literata cuidou das apresentações:

_ Mariazinha, este é o famoso Doutor Livrão!

A menina observou com espanto aquela enorme coleção de livros empoeirados. Não se atreveu a pronunciar uma só palavra, muito menos a tocar naquele ser absolutamente estranho, mas de aparência austera e impoluta.

_ Com certeza não era o que você imaginava? Indagou Literata com bom humor.

_ Não mesmo! Mas, por que você o chama assim?

_ Esta foi uma forma carinhosa que encontrei para homenagear esta grande obra. Enciclopédia sempre me pareceu um termo enfadonho e desinteressante para os jovens leitores.

_ E a senhora já conseguiu ler todos estes livros? Disse ela se referindo ao grande acervo da biblioteca.

_ Evidente que não! Precisaria mais de uma vida para ler todos estes livros. Mas acredito que já tenha lido boa parte daqueles que considero essenciais.

_ Mas hoje nós temos os tablets, notebooks, i-pads! Comentou a menina.

_ Sem dúvida estes são recursos muito mais atraentes para a nova geração. Mas, imagine-se em um tempo onde não havia internet e todos os meios de informação dos quais dispomos hoje em dia? As melhores ferramentas de consulta que existiam eram o dicionário e a enciclopédia de conhecimentos.

Literata sabia que aquela era uma grande oportunidade para mostrar a menina as maravilhas do mundo dos livros impressos, as grandes obras e todas as relíquias e preciosidades que estavam guardadas ali, bem ao seu alcance.

Mariazinha, por sua vez, mantinha-se intrigada com toda aquela história e resolveu esclarecer mais uma dúvida que a corroía:

_ Mas se ele não fala, como conseguimos acessar as informações dessa enciclopédia, ou seja lá qual foi o nome que deu a isto?

_ Muito simples! Respondeu Literata.

Em seguida, Literata retirou um volume qualquer da prateleira e passou a explicar o seu funcionamento.

Mas, a certa altura, a menina já se mostrava impaciente. Mariazinha pertencia a uma geração acostumada as informações de forma instantânea.

_ Mas com isso perdemos muito tempo! Concluiu a jovem.

_.Não, minha querida! Aí que você muito se engana, pois nada perdemos quando o nosso objetivo maior é o conhecimento. Caso não consiga encontrar o que estava buscando, algum proveito terá obtido nesta simples consulta. Pense nisso! Concluiu a professora.

Por mais que Dona Literata tentasse convencê-la do contrário, a menina parecia não estar habituada com todo aquele trabalho. Já estava acostumada a respostas através de um simples clique de botão.

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