Os dias se passaram devagar, eu não dormia bem e todos ao meu redor diziam que tudo passaria e logo teríamos você em casa novamente.
Eu acreditei, era a única coisa que me restava.
Agora tínhamos um nome para o que você estava passando. Não posso pôr em palavras todo o ódio e amargura que sinto por essa doença, ela me tirou tudo e não teve piedade de nenhum de nós.
Aneurisma Cerebral.
Um nome complexo para uma doença tão complexa quanto, muitos confundem ela com um AVC, mas é diferente e a chance de recuperação é quase nula.
Tínhamos esperança de você ser uma exceção, queríamos – e ainda queremos, mas sabemos que não é possível – você de volta, bem e saudável.Marcaram a cirurgia, ficamos assustados percebendo aos poucos a gravidade, mas eu me sentia contente de ver que você tinha uma chance.
Não consigo me lembrar o dia exato, mas foi entre aquele final de semana e segunda-feira onde tudo ocorreu.
A cirurgia foi um sucesso e agora estava nas suas mãos a melhora, você precisava reagir bem e seu corpo também, os médicos já alertavam que não seria uma recuperação fácil.
O Aneurisma Cerebral ocorre quando os vasos sanguíneos de seu cérebro se comprimem, impossibilitando a passagem do sangue e então esses vasos estouram. É algo sensível e muito perigoso, não tem como prevenir e nem saber a causa dele.
Isso aconteceu com você, e nunca conseguimos te dizer isso, não tivemos a chance.
Até hoje não sabemos o real motivo por trás do Aneurisma e eu admito que me culpei por um tempo.
Como o médico havia dito: não tem uma causa certa, pode ter sido desde um estresse recente à um tombo caído na infância e que só se manifestou agora.Isso me fez pensar que eu não estar em casa e correndo o risco de ficar doente com uma doença que já destruiu nossa família, havia te deixado muito preocupada e estressada, gerando suas dores de cabeça.
Eu sei que parece ilógico, mas eu estava confusa com tudo que vinha acontecendo. E ainda me pesa não saber o real motivo, e acabo por nunca conseguir descartar de vez essa hipótese.
Já era final de março e você não mostrava melhoras significativas.
Corria também o risco de você ter vasoespasmos, e isso era o que mais preocupava os adultos.
O vasoespasmo possui três tipos:
O vasoespasmo leve;
O vasoespasmo moderado;
O vasoespasmo forte.O primeiro não afetaria nada caso acontecesse, o segundo era um pouco preocupante mas ainda tinha volta, e o terceiro caso acontecesse, era fatal.
Posso estar explicando um pouco errado, mas foi assim que entendi como tudo estava acontecendo.
O pai me contou sobre isso quando você teve o seu primeiro vasoespasmo, e felizmente ele havia sido o moderado, então você não sofreu nada muito grave e só precisava se recuperar.
Naquela noite, eu já estava em casa, havia voltado na semana onde tudo aconteceu, na sexta-feira. Estava em meu quarto quando o pai chamou todos nós até a cozinha, minha irmã mais velha sentada na mesa com um olhar pesado, quase sombrio.
Todos nós sentamos, as crianças junto e então ela e o pai começaram a falar sobre seu quadro, eles explicaram que estava um pouco mais complicado, mas, imagino eu que pelas crianças, decidiram não falar toda verdade, não comentaram as chances de tudo dar certo ou errado, e isso me preocupou, eu só não questionei.
Minutos depois chegou a esposa do vô, ela entrou e abraçou todos nós, ali eu percebi que tinha algo de muito errado, ela nunca aparecia de repente porque morava um pouco longe, mesmo que não muito, e sempre avisava antes. Eu estava acostumada com suas visitas só em aniversários e datas comemorativas como Páscoa ou Natal, e ela estar ali conosco em um momento nada feliz, foi significativo para que meus questionamentos internos se concretizassem cada vez mais.
O que de fato estava acontecendo e porquê eles estavam escondendo de nós?
Foi o que mais me perguntei e no final daquela noite, passei a madrugada olhando o teto enquanto orava para Deus, esse que eu já não acreditava existir há um tempo, mas quis acreditar que pela sua fé nele, seja o que ele for, te ajudaria.
Sua fé em Deus era inabalável, você sentia ele em sua alma como eu nunca consegui, e por um bom tempo desejei ser assim como você, mas hoje já não peço mais.
Olhando para trás, nesses momentos sozinha onde clamei por Deus, por Jesus e implorei para que você ficasse bem, o que não aconteceu, me deixa aflita. Me sinto aflita pois pedi com todo meu coração que algo fosse diferente, clamei, supliquei e naquela hora eu acreditei, acreditei em Deus, pensei na sua fé e no seu amor por ele, mas nada adiantou.
Não posso nem dizer em palavras o quanto me afetou ouvir de pessoas próximas de você na igreja as frases: era a hora dela; Deus sabe o que faz; Ela já cumpriu sua missão aqui conosco então ele levou ela para perto dele novamente.
Isso doeu mais do que se tivessem me dito que você merecia isso, porque notei que todos estão familiarizados demais com uma doutrina onde encontram paz na morte (eu gostaria de ser assim, mas falhei em crer nisso).
Me perdoe mãe, por não ter fé como você, por não crer em nada e por me deixar sucumbir ao desanimo de uma vida sem ter onde me apoiar.
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Cartas Para Ela
Non-FictionOnde cada capítulo desse diário contará as emoções vividas por uma garota que perdeu seu brilho cedo demais. A dor do luto sendo contada para quem sentir o desejo de conhecer. Uma história que está mais para um desabafo, é algo triste sim, contudo...