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A primeira coisa que senti, ao despertar daquele cochilo, foi a boca úmida, contrastando com a garganta ressecada. Era como se eu tivesse dormido por dias, fazendo-me sentir mais perdida do que cego em tiroteio, sem saber se era noite ou dia, não tendo a menor noção de tempo. Estiquei a mão e tateei os lençóis até agarrar o celular, abrindo os olhos com dificuldade para verificar o horário. Três horas da manhã.
Desliguei a tela para voltar a dormir, mas logo o coração disparou ao perceber que aquele não era o meu celular. Arregalei os olhos e examinei o aparelho: um modelo antigo, com um popsocket na capinha cheia de glitter. Entretanto, essa não foi a única mudança, já que escuridão ao redor parecia estranha, como se não fosse mais a mesma. Foi aí, exatamente aí, que a realização me atingiu com um baque.
Não estava mais em casa.
Sentei-me na cama e, ligando a lanterna do celular, descobri que havia uma fita de LED abaixo da cimalha, além de que as paredes tinham duas cores, azul-prateado e rosa-queimado, separadas por um rodameio branco. O chão era feito de madeira rústica, lhe dando uma aparência velha e acabada e, assim que fui me levantar da cama, notei que era de casal box, com cabeceira, algo luxuoso para alguém que se acostumou a vida inteira a uma cama de solteiro.
Ao lado esquerdo dela, havia uma pequena caminha de pet felpuda, cinza por fora e creme por dentro, o que meus olhos brilharam, já que estava, aparentemente, acompanhada de uma presença felina. Eu amo gatos. Já ao lado direito, de frente para a parede, tinha um criado-mudo com um abajur, o que me causou uma estranha nostalgia, por algo nele remeter ao meu passado, minha infância.
Assim que senti a textura macia e lisa abaixo dos meus pés, percebendo que se tratava de um tapete retangular preto e branco, olhei para as minhas mãos. Os dedos polegar e mindinho estavam tortos, como de costume, tirando o fato de que, pelas mangas, percebi que usava um pijama americano preto com detalhes brancos. Era uma escolha elegante até, mas não fazia parte do meu guarda-roupa.
- Devo estar sonhando. - pensei, comigo mesma, passando a mão no cabelo, sentindo a reconhecível textura áspera dos fios contra pele. Aproximei da entrada da varanda, abrindo a veneziana e me deparando com a luz da lua e a ventania serena da noite, que logo invadiu o cômodo. Desliguei a lanterna e procurei por algum calçado, encontrando um par de pantufas próximo à uma televisão de tubo, bem algo dos anos 2000.
Calçeei-as e caminhei para fora, reconhecendo que se tratava de uma casa térrea típica americana, de coloração amarelada, causando um contraste as outras, que pareciam ser britânicas. Franzi a testa, tentando desesperadamente procurar algum indício que, na verdade, tudo aquilo não passava de uma imaginação, algo irreal. Mas, para a minha surpresa, nada encontrei.
- Onde estou? - murmurei, sem esperar uma resposta.