Capítulo 3: Caminhos Cruzados

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A brisa suave que atravessava o vilarejo trouxe consigo o cheiro de flores e da terra molhada pelas chuvas da manhã. Kazuki caminhava lentamente, o som de suas sandálias de palha raspando contra o chão de pedra era quase imperceptível em meio à agitação do mercado. Homens e mulheres se moviam entre as barracas de alimentos e tecidos, enquanto crianças corriam brincando. Era uma cena comum, cheia de vida e simplicidade, mas para Kazuki, havia algo inquietante nessa tranquilidade.

Ele parou ao lado de uma barraca de frutas, observando de longe, sem a intenção de interagir com os comerciantes ou comprar algo. Suas vestes simples e gastas o faziam passar despercebido pela maioria, mas sua postura, sempre alerta, sugeria que ele era mais do que aparentava.

- Um viajante? A voz de uma mulher interrompeu seus pensamentos.

Kazuki ergueu os olhos e viu uma vendedora de frutas, com um sorriso gentil, estendendo-lhe uma maçã. "Você parece cansado. Uma oferta da casa."

Ele hesitou por um momento, mas aceitou o gesto com um aceno de cabeça. Obrigado.

Ela sorriu, voltando à sua rotina, enquanto Kazuki mordeu a maçã, sentindo o gosto doce e simples da fruta. Por um momento, quase se esqueceu de quem era ou do que havia deixado para trás. Mas a paz era fugaz, e logo sua mente voltou ao conflito que carregava em seu coração.

Ele continuou andando, sem rumo definido, como fazia desde que deixou a taverna meses atrás. Cada novo vilarejo, cada nova cidade, oferecia algo diferente — pessoas com suas próprias lutas e histórias. E, de alguma forma, essas histórias o ajudavam a ver o mundo sob outra perspectiva. Mas nada disso parecia curar a ferida profunda que ele carregava em sua alma.

Sentou-se à beira de um pequeno riacho que passava pelo vilarejo, observando a água fluir calmamente entre as pedras. O som do rio o acalmava, mas também o fazia lembrar de que, assim como a correnteza, ele seguia um caminho que parecia inevitável, sem controle sobre o destino. A pergunta que sempre rondava sua mente ecoava de novo: Quem sou eu agora?

Desde que recusou a nova ordem, ele se sentia como um fantasma, vagando sem um propósito claro. Os dias se transformavam em semanas, e as semanas em meses, e Kazuki continuava sua jornada, sem encontrar uma resposta para a questão que o consumia. Ele sabia que algo dentro dele precisava mudar, mas o que exatamente, ele ainda não sabia.

Uma sombra passou sobre ele, e ao levantar os olhos, viu um ancião aproximando-se lentamente, apoiado em uma bengala. O homem tinha a pele enrugada pelo tempo, mas os olhos brilhavam com uma vitalidade incomum. Ele parou ao lado de Kazuki, observando o rio em silêncio por alguns instantes antes de falar.

Os rios nunca param de fluir, disse o velho, sem desviar o olhar da água.

- Assim como a vida. Você pode tentar resistir, mas ela sempre te levará adiante.

Kazuki não respondeu de imediato, apenas permaneceu observando o fluxo da água. E se o que está adiante não for o que eu quero? Perguntou ele, sua voz pesada.

O velho riu baixinho.

- A vida raramente nos dá o que queremos, jovem. Mas sempre nos dá o que precisamos.

Kazuki franziu a testa.

- E como saber o que eu preciso?

O ancião se sentou ao lado dele, com um movimento lento e deliberado.

- Isso você só descobrirá quando parar de fugir.

Kazuki ficou em silêncio, refletindo sobre as palavras. Ele não conseguia lembrar a última vez em que sentiu que realmente pertencia a algum lugar. Desde a morte do imperador, e sua falha em proteger a filha dele, ele se tornara uma sombra do que já fora. Um guerreiro sem mestre. Um homem sem rumo.

- Eu não estou fugindo. Murmurou ele, quase como se tentasse convencer a si mesmo.

- Talvez não dos outros, mas de si mesmo.

Respondeu o ancião, calmamente.

Kazuki sentiu um peso em seu peito, algo que reconhecia, mas que ainda não conseguia enfrentar plenamente. Ele não queria admitir, mas havia verdade nas palavras do ancião. Durante todo esse tempo, em cada cidade, em cada vila, ele buscava algo — talvez um novo propósito, uma razão para continuar vivendo. Mas em vez disso, o que encontrava eram pequenos pedaços de paz momentânea, nada que realmente o preenchesse.

- Eu... falhei com meu senhor. Disse ele finalmente, quebrando o silêncio.

- Falhei com as pessoas que jurei proteger.

O velho o observou por um momento antes de falar novamente. "Todos nós falhamos, em algum momento. A questão não é se você falhou, mas o que fará agora."

Kazuki não respondeu. Ele não tinha essa resposta. Ou, pelo menos, não estava pronto para encontrá-la. Após alguns minutos, o velho levantou-se, esticando as costas cansadas.

- Se continuar lutando contra o rio, você acabará se afogando. 

Disse ele, antes de se afastar lentamente, deixando Kazuki com seus pensamentos.

O ronin permaneceu sentado por um longo tempo, olhando para o rio e ouvindo o fluxo constante da água. As palavras do ancião ecoavam em sua mente. Talvez ele realmente estivesse fugindo, não apenas da nova ordem, mas de si mesmo. Da culpa que carregava, das escolhas que fizera.

Enquanto a noite caía sobre o vilarejo, Kazuki levantou-se, caminhando em direção à pequena hospedaria onde havia passado as últimas noites. Havia uma inquietação dentro dele, mas também uma pequena chama de compreensão. Talvez, apenas talvez, o velho estivesse certo. Talvez ele precisasse parar de lutar contra o que estava dentro de si.

Ao chegar à hospedaria, ele foi recebido por uma mulher de idade, que o observou com curiosidade.

- Tem viajado por muito tempo, senhor? Perguntou ela.

Kazuki assentiu, sem dar muitos detalhes.

- Bem, espero que encontre o que está procurando.

Disse ela, oferecendo-lhe um sorriso gentil antes de se retirar.

Kazuki subiu para o pequeno quarto, e enquanto se deitava na cama simples, sua mente voltou às palavras do velho e ao fluxo do rio. Talvez sua jornada fosse mais sobre encontrar a si mesmo do que qualquer outra coisa. E embora ele ainda estivesse longe de qualquer resposta, algo dentro dele começava a mudar.

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