Prólogo/Capítulo 1: A Queda da Velha Ordem

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PRÓLOGO

O vento carregava o cheiro de sangue, misturado à poeira levantada pelo caos. Era a última batalha de uma era que já estava morrendo, embora poucos soubessem disso. As espadas cintilavam sob o céu nublado, mas o brilho nelas era breve, logo ofuscado pela escuridão dos corpos caídos.

Ele, Kazuki, estava no centro de tudo. A lâmina em suas mãos era uma extensão do seu corpo, cortando o ar e os inimigos com precisão letal. Cada movimento era automático, fruto de anos de treinamento, de honra e de lealdade ao seu imperador. Mas naquele dia, a honra estava maculada, a lealdade à beira da ruptura.

Os gritos ao seu redor ecoavam distantes. A fúria da batalha, outrora familiar, parecia agora uma tempestade distante enquanto seus olhos procuravam por uma única figura. Ela. A filha do imperador. A mulher que ele nunca ousou tocar, mas que secretamente amava com toda a intensidade que seu coração guerreiro podia suportar. Hanako.

Lá estava ela, na linha de frente do cerco, o medo congelado em seus olhos enquanto o inimigo se aproximava. O tempo, que até então parecia fluir em rajadas, desacelerou. Kazuki lançou-se adiante, seus pés rasgando o chão ensanguentado, sua espada abrindo caminho. O aço chiava contra a carne, o suor misturava-se ao sangue, mas seu olhar não desviava dela.

E então, naquele momento, ele percebeu. Não seria rápido o bastante.

Hanako caiu sob a lâmina de um inimigo, seu corpo se desmoronando na terra fria. Kazuki gritou, mas o som foi engolido pelo clamor da batalha. Suas pernas o levaram até ela, tarde demais. Ele caiu de joelhos ao seu lado, sua mão suja de sangue tocando o rosto pálido que ele nunca ousara acariciar em vida. O olhar dela se perdeu no vazio, sem uma palavra final, sem perdão.

Ele falhou. Falhou com ela, falhou com seu imperador, e, acima de tudo, falhou consigo mesmo. E nesse momento veio a tona as lembranças de todos os momentos de seu amor secreto por Hanako. Os sorrisos meigos da bela moça quando o via sendo repreendido pelo imperador, os olhares laterias de desejo mútuo pelos cômodos do palácio e até a dança secreta sob o jardim real na noite da última primavera. Kazuki lembrara ao mesmo tempo em tudo isso nunca mais estaria de novo em suas mãos.

O clangor das espadas ao redor parecia distante agora. Os gritos dos homens, o estalar de armaduras. Kazuki se ergueu, uma sombra de si mesmo, sua espada pesada, como se o peso do mundo tivesse se concentrado em sua lâmina.

E então, a ordem veio. O imperador estava morto. A era dos samurais havia chegado ao fim, e Kazuki, o samurai sem mestre, estava condenado ao destino de um ronin. Um traidor, um homem sem propósito.

Ele não questionou, não protestou. Não havia mais nada pelo que lutar.

Enquanto as nuvens carregadas de chuva cobriam o campo de batalha, Kazuki se afastou, o peso da espada ainda nas suas mãos, mas sem um inimigo para enfrentar. Sua honra estava enterrada junto àqueles que ele não conseguiu salvar. Seu nome, manchado, carregaria para sempre a falha que ecoava em sua alma.

Ele olhou para o horizonte, vazio, incerto. Um ronin? Ou apenas um homem com uma espada e sem destino?

A resposta ainda não lhe pertencia...

CAPÍTULO 1: A QUEDA DA VELHA ORDEM

O sol se levantava sobre o horizonte, lançando um brilho dourado que filtrava através das árvores esparsas e das fumaças de aldeias ainda sonolentas. O Japão estava mudando, transformando-se sob a pressão dos novos tempos que vinham com o fim da era dos samurais. Kazuki, um ronin de aparência cansada, cavalgava lentamente por uma estrada rural, seu olhar perdido na vastidão do campo.

A armadura de Kazuki, já desgastada pelo tempo e pelas batalhas, brilhava com o reflexo dos primeiros raios da manhã. Ele ajustou o cabo da katana que carregava nas costas, sentindo o peso da lâmina como um lembrete constante de seu passado glorioso. As lembranças de um Japão que não existia mais o assombravam enquanto o ronin buscava seu lugar em uma sociedade que não parecia mais precisar de homens como ele.

Kazuki havia deixado para trás um campo de batalha repleto de cicatrizes e contos de bravura, mas também de traições e desilusões. Seus passos ecoavam um lamento de uma era que se desvanecia, substituída por uma nova ordem que prometia progresso, mas parecia desconhecer o valor das tradições que ele havia jurado proteger.

Ao chegar a uma pequena aldeia, Kazuki notou a agitação dos moradores. As casas eram simples, mas estavam começando a se adaptar aos novos padrões de vida que surgiam com a modernização. Ele viu homens e mulheres trabalhando com ferramentas que nunca tinha visto antes, e jovens discutindo sobre novas ideias que pareciam alienígenas para ele.

Kazuki desceu do cavalo e caminhou até a taverna local, um lugar onde ele esperava encontrar respostas ou, pelo menos, um lugar para descansar. Ao entrar, os olhares curiosos dos aldeões se voltaram para ele, uma figura do passado que parecia deslocada em um mundo em rápida transformação.

A taverna estava repleta de conversas animadas e risos que contrastavam com o silêncio que costumava reinar nas tavernas que Kazuki conhecia. Ele se sentou em um canto escuro, tentando não se destacar, enquanto o taberneiro se aproximava com um olhar avaliador.

- Você não parece da redondeza, disse o taberneiro, com uma curiosidade cautelosa.

- Sou apenas um homem procurando um lugar para descansar. Respondeu Kazuki;

Sua voz carregada de uma melancolia que só o tempo poderia proporcionar.

Enquanto aguardava sua bebida, Kazuki observou as pessoas ao seu redor. Cada uma delas parecia estar fazendo parte de um novo mundo que ele mal compreendia. Ele sentiu um peso em seu peito, um sentimento de que, talvez, ele estivesse destinado a desaparecer junto com as tradições que conhecia. Mas algo dentro dele também indicava que seu caminho ainda não estava completo.

As portas da taverna se abriram abruptamente, e um grupo de homens armados entrou, suas expressões duras e autoritárias. Eles eram a nova ordem, a força que mantinha a paz, mas que Kazuki temia que pudesse rapidamente se tornar opressiva. Seus olhos encontraram os de Kazuki, e ele soube, sem precisar de palavras, que sua jornada estava apenas começando.


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