Atafona

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O mar não engole pela onda,
ele vem roendo por baixo,
mastigando subterrâneo as fundações,
e o que era rijo concreto e aço
deteriora-se, até que
sobre si mesmo desmorona.

Em nada se parece com uma onda.
Nenhum valor há na esperança.

O mar digere por baixo
casas ainda vivas, de pé,
impondo-se dolorido às pessoas.
Reclama mais um terreno,
bate noutro muro
e não se sabe mais como medir o tempo:
se pelos anos em que demorou a chegar
ou pela pressa em que tombou o teto. 

O mar erode a costa
e faz o pescador perder o porto
onde descarregar seu peixe.

Jeito não tem,
por baixo vem corrosão,
por baixo, a ruína,
para então reinarem águas salgadas,
senão elas, reinarem dunas
entalhadas pelo vento
- quando o toque no corpo é só areia.

O irrefreável avanço do mar
introduz o convívio com a perda,
a destruição de particulares domínios...
e não se pode viver da mesma maneira.


(a partir da notícia ''Tudo corrói por baixo': a vida no distrito que vem sendo engolido pelo mar', do Ecoa/ Uol)

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