Lá estava eu, olhando pela janela do ônibus, já imaginando o que minha mãe diria quando me visse com minha jaqueta de couro. Juro que não vesti com a intenção de deixá-la brava, mesmo sabendo que ela não gosta muito, diz que pareço um rebelde, não fiz por birra, mesmo. Não estou aborrecido com o fato de ela ter casado com um cara que vive a 8hrs de distância, me obrigando a mudar de colégio bem no meio do segundo ano, abandonando meu melhor - no fundo, o único - amigo que tive desde a pré escola; e deixar a cidade onde vivi todos os meus 17 anos.
Não fiquei chateado, de fato gosto do Supporn, meu novo padrasto, ele realmente gosta da minha mãe e é super legal comigo. Essa história de mudar de cidade e que me deixou atordoado. Acho que não comentei que Supporn tem três filhos, e estavam todos lá para me receber quando desci do Mercedes. Soneca, Dunga e Mestre, é como eu os chamo. São meus novos meio-irmãos.
— Gulf!
Mesmo que eu não tivesse ouvido o grito da minha mãe quando eu desci do ônibus, não tinha como deixar de vê-los, Sup fez os dois mais novos segurar um cartaz enorme escrito: “Seja bem vindo Kanawut”, eu queria me esconder no fundo de um buraco, pois todos que passavam por ali diziam “olha que graçinha” e sorrindo para mim com aqueles olhares enjoados. Não me entendam mal, não é que eu não tenha gostado, apenas não gosto de chamar a atenção. Meio sem graça, me encaminhei até minha nova família — Tudo bem, tudo bem, já podem baixar isso aí — minha mãe estava ocupada demais me abraçando pra prestar a atenção, e ficava dizendo “Meu Gulfinho”. Eu odeio que qualquer um que não seja minha mãe me chame de Gulfinho, então tratei logo de olhar de cara feia para todos para que isso ficasse bem claro. Eles ficavam só rindo para mim por cima daquele enorme cartaz, Dunga por ser bobão demais, Mestre porque… Bem, ele até podia estar realmente feliz em me ver. Mestre tem essas esquisitices. Soneca, o mais velho, ficava lá só olhando, com cara de …. sono.
— Como foi a viagem, Kana? — Supp pegou a mochila que eu carregava no ombro e pôs no seu, claramente ele estranhou o peso — Uau! O que você tá carregando aqui? Não sabia que é considerado crime contrabandear hidrante de Bangkok para outras cidades ?
eu sorri para ele, Supporn é aquele tipo que faz piadas meio sem graça, mas é um cara legal. Ele não deve ter a menor ideia do que é ou não, crime em Bangkok pois só esteve lá cinco vezes, o que por sinal foi o suficiente para convencer minha mãe a casar com ele e mudar de cidade. — Não é um hidrante — eu disse dando de ombros — É uma estátua do buda. E tem mais quatro malas.—Quatro? —Supp fingiu surpresa — Você por acaso está de mudança? — acho que já comentei que Supp adora fazer piadas não é!? Por mais que se ache um comediante, ele não é, ele é carpinteiro — Gulf — disse o Mestre todo empolgado levantado os olhos do livro que estava lendo — Você sabia que em uma aterrissagem, o avião sacode um pouco !? É por causa de uma corrente de ar ascendente. Acontece quando uma massa de ar que se move em grande velocidade vai de encontro a uma contra corrente de vento com velocidade igual ou maior — Mestre o filho mais novo do Supp, tem doze anos, mas parece que tem uns quarenta. Na festa de casamento me inundou de informações sobre teorias de que a área 51 não passa de uma farsa para que nós não saibamos que não estamos sós no universo – Nossa Gulfinho estou tão feliz que você finalmente chegou. Você vai amar a casa nova, Supporn reformou toda ela… Espere só até ver seu quarto, Supp fez especialmente para você.
Antes do casamento Supp e mamãe passaram semanas procurando a casa ideal, para que cada um tivesse seu espaço, e aparentemente a casa perfeita era uma que estava em um estado lamentável bem no alto da colina de Mae Taeng. Supp costuma trabalhar para uma firma de construção, então eles fizeram uma bela reforma. Minha mãe fala do meu quarto a dias, ela jura que é o que tem a vista mais bonita já que dá para ver o mar. Certeza que eu iria adorar assim como adorei deixar tudo que conhecia para trás. Não sei como nem porque, mas Dunga conseguiu abrir a boca para perguntar — Gostou do cartaz? — às vezes não consigo acreditar que ele tem a mesma idade que eu. Mas não que eu esperasse outra coisa, ele é da equipe de luta livre, a única coisa em que ele consegue pensar, foi o que percebi quando tive que ficar sentado ao seu lado na festa de casamento, (fiquei sentado entre ele e Mestre, dá pra imaginar como a conversa fluiu), e em proteínas e suplementos. — Sim, é um grande cartaz — eu disse enquanto dobrava para que ninguém pudesse ler o que estava escrito — Podemos ir agora? Quero pegar minhas malas antes que alguém tenha a mesma ideia.
— “Claro claro “ disse mamãe me dando um último abraço — Puxa, eu estou tão feliz em te ver! Você está tão bem — foi então que finalmente o que eu previa aconteceu, mesmo que bem baixinho para que ninguém ouvisse — Pensei que já tinha falado com você sobre essa jaqueta, e esses jeans rasgados, eu já não tinha mandado jogar fora? — eles combinavam perfeitamente com a minha camisa de seda preta e meus coturnos de zíper, junto com a minha mochila das forças armadas me faziam parecer um adoelecente rebelde fugindo de casa, igual nos filmes que passam na tv.
“ Mas poxa eu ia passar oito horas dentro de um ônibus, eu queria estar confortável” foi o que eu disse pra ela, que só revirou os olhos e deixou pra lá, é o lado bom da minha mãe, ela não fica insistindo como as outras mães. Soneca, Dunga e Mestre não imaginam como são sortudos —Tudo bem vamos lá, vamos pegar sua bagagem — e levantando a voz, chamou — Vamos Tay, vamos pegar as coisas do Gulf — ela teve que chamar o Soneca pelo nome, pois ele parecia que estava dormindo em pé. Lembro que uma vez perguntei para minha mãe se o Tay que está adiantado no colégio, sofre de alguma doença, ou usa alguma droga, ela estranhou a pergunta. è que o cara fica lá olhando pro nada sem falar com ninguém. Espera, não é verdade. Uma vez ele realmente me disse algo. Perguntou se eu fazia parte de alguma gangue, foi no casamento dos nossos pais, quando ele me pegou do lado de fora fumando e com a minha jaqueta de couro por cima da roupa do casamento. Tive vontade de rir. Mas aquela foi a primeira e única vez, nunca fumei, mas o estresse foi muito grande, eu estava preocupado com o casamento, minha mãe ia se mudar, ela podia até me esquecer. Juro que nunca mais botei um cigarro na boca.
Não me levem a mal quando eu falo de Tay. Com sua cabeleira castanha escura, olhos e sorriso brilhantes iguais aos do pai, ele é o que meu melhor amigo Mild chamaria de pedaço de mal caminho. Apenas não é a mente mais brilhante do mundo, se é que me entendem.Mestre continuava falando sobre a velocidade do vento, e explicando qual a velocidade que o avião precisava para romper a força gravitacional da terra. Decidi que seria muito útil ter o Mestre por perto para os deveres da escola. Enquanto ele falava, eu olhava em volta. Era a primeira vez que eu ia para a Koh Kood e apesar de ainda estamos na rodoviária, era nítido que já não estávamos em Bangkok, nada de poluição visual, nada de excesso de pessoas, mas o mais impressionante era… Não havia brigas ou discussões na hora de pegar as malas, era todo mundo calmo e pacifico. Era muito irreal para mim.
Já no estacionamento quando nos aproximamos do carro – Eu vou dirigir – disse Supporn com firmeza – Poxa pai, como vou praticar se você não me deixa dirigir?— disse Dunga chateado — Você pode praticar no Rumble — disse Supp — Você também Gulf.
– Eu também o que?
— Você pode praticar direção, desde que tenha alguém com carteira do lado.
— Eu não sei dirigir — falei, e Dunga deu uma risada que parecia um relincho — Olha Tay ele não sabe dirigir!
— Não é tão incomum que tailandeses não queiram dirigir, Ohm —disse Mestre— Você não sabe que o trânsito lá é horrível.
Supp fechou o porta malas do carro e disse — Não se preocupe Gulf, vamos te matricular na autoescola e logo você se equipara ao Ohm — Olhei para o Dunga e pensei, jamais imaginaria alguém dizendo que eu precisava me equiparar ao Ohm em algo.
Dava para perceber que muitas surpresas me esperavam, só não pensei que seriam tantas.
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O Mediador
FanficKanawut seria um adolescente normal, se não tivesse um dom especial: ele é um mediador , ele tem a capacidade de ajudar as almas a resolverem seus problemas e finalmente descansar em paz, mas como explicar isso as pessoas sem parecer louco? Princip...