Me afagou lentamente quando subi em suas pernas do lado do monte laranja. Afastou-me de suas pernas pouco tempo depois para se levantar, e antes de partir deixou uma cordinha de couro, ao menos acho que era isso, sobre o montinho. Olhou uns últimos segundos e se foi, e aí, me fui junto.
O segui depois daquele dia. Nem perguntei se poderia, apenas fui, e aparentemente o humano não foi contra. Não me espantou em nenhum momento, apesar de vez ou outra me dar uma ignorada ficando com aquele olhar perdido.
Caminhamos por alguns minutos, descemos por um terreno inclinado em meio a mata se afundando em galhos baixos de árvores finas, entramos em uma abertura entre terra e rocha, uma toca ou caverna, algo do tipo.
E lá estava eu no seu encalço. Lá dentro era escuro, mas eu podia ver ele se ajeitar com algumas coisinhas nas mãos, e dessas coisinhas surgiu fogo e ele colocou esse fogo em cima de um pedaço de madeira com quatro pernas, coisa que eu subi em cima para ver esse fogo direito. O fogo estava no finalzinho de um objeto esbranquiçado meio torto que começou a escorrer. O fogo o devorava ao visto, porque começou a diminuir.
— Você? — Foi tudo que sua voz apagada e funda conseguiu dizer quando bateu os olhos em mim ali em cima da sua madeira quadrúpede, com o fogo queimando ao meu lado na coisa branca desaparecendo devagar.
"Espero que você tenha mais desses, meu caro, porque o fogo vai comer tudo e você vai ficar no escuro, coisa que eu não me importo, já você é subdesenvolvido nisso."
Descansou em cima de um toco ao lado da outra peça de madeira em que eu estava e se aproximou de mim com uma mão, esfregou os dedos no meu pescoço e orelha. Muito bom amigo, assim mesmo.
— Não tem alguém? Dono? — deslizou a mão pelo meu pescoço, caçando alguma coisa.
"Amigo, não tenho pulgas se é o que está procurando. Dono... não, ninguém pode ser dono de ninguém".
— Sem coleira. Não deve ter... perdido então?
"Sempre, eu vou para onde quero, a hora que quero, e agora vou com você".
Tirou a mão de mim, repousou-a sobre a madeira que eu e o fogo na coisa derretivel estávamos. Ficou daquele jeito outra vez, olhando longe no vazio. Me aproximei, dei uma cabeçada amigável no seu rosto ainda bem desconfigurado de tristeza. Olhou-me e não reagiu com movimento, mas disse.
— Não tenho o que te dar de comer. Sinto muito.
"E quem disse que dependo de você para comer? Até agora pouco eu vivia numa boa sem sua comida. Relaxa. Mas e pra si próprio, o que tem aí?"
Desci dali de cima da madeira de quatro pernas e fui vasculhar aquele buraco em que o humano usava para se esconder. Tinha uma pedra comprida com palha e um lençol em um canto num formato comprido. Subi ali para ver do que se tratava. Ele ficou me olhando bisbilhotar tudo, quieto. Podia sentir seu olhar nas minhas costas me acompanhando.
Não tinha nada nesse canto, mas parecia quente e bom para afofar. Testei e realmente era. Deixei de lado depois do teste demorado e paciente e fui mais ao fundo onde vários sacos estavam amontoados. Encontrei um repolho meio velho, tomates vencidos, — cruzes jogue isso fora —, e cenouras ainda boas. Bem, melhor que nada.
Voltei até ele e sentei-me à sua frente.
"Vai comer só cenouras? Sabe, é só isso que tem ali na sua bagunça".
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Em busca de um bom lugar
FantasyUm sujeito sem importância, vivendo dias que não valem nada, acreditando que nunca mudarão, afundado na sua insignificância rodeada de vazio, é encontrado por uma criaturinha peluda que lhe oferece companhia sem cobranças.