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Três anos após o acidente, 2023

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Três anos após o acidente,
2023.

― Para finalizar o momento, quero saber como tem se sentido depois das fisioterapias. Não me contou nada de novo nesses últimos três meses. ― Montre, o psicólogo que a marinha disponibilizou para mim, cruzou as pernas e escreveu algo no caderno durante os quarenta minutos que havia chegado em minha casa.

― Parei de ir.

― Parou? ― me encarou curioso, apenas assenti. ― Você disse que estava indo às reabilitações quinzenais na última vez que nos vimos, houve algum motivo para ter mentido?

― Não tinha motivos para continuar dando murro em ponta de faca.

― Dario, meu caro Dario... Sabe que eu dei um relatório para a marinha mês passado dizendo que você estava sim indo às consultas, não sabe?

― Não é como se eu me importasse com isso.

― Então, logicamente, sabe que não tem mais porquê eu vir até aqui se parou de se cuidar, não é? Meu salário será cortado imediatamente quando souberem. ― concordei novamente. ― Me diga, Bazán, é isso mesmo o que quer? Correr, praticar esportes e principalmente continuar na marinha era seu sonho, vai mesmo desistir das fisioterapias?

― Não tenho opção.

― Todos nós temos opções.

― Não eu. ― movimentei a minha cadeira de rodas até a gaveta do pequeno armário dentro da minha sala de visitas pegando facilmente um envelope branco confidencial, jogando-o em cima do homem que franziu o cenho. ― Abra e veja a minha realidade de uma vez por todas.

― O que é isso?

― Os resultados! Disseram que eu teria que seguir com a fisio até mesmo depois que eu voltasse a andar, e como se não bastasse, usar muletas seria um complemento de ajuda. Acha mesmo que alguém danificado como eu voltaria para marinha depois de ter deixado a tripulação toda morrer? Do que adiantaria continuar se não poderei voltar a ser quem eu era? Se andando eu fui um péssimo fuzileiro, não quero ter que pensar no resto.

― Isso me faz pensar o que eu já suspeitava, você tem bloqueio consigo mesmo. A marinha com certeza o aceitaria de volta, mas claro, não no seu mesmo antigo posto.

― Para mim, isso não serve de nada.

― Assim só me dá razão e mostra o quão a sua mente está enfraquecida mesmo anos após o acidente. ― abriu o envelope, leu por cima e voltou a escrever no seu caderno. ― Conte-me mais, tem algo que está o impedindo de querer fazer as fisioterapias?

― Não quero ter que ficar preso a algo que não vai me deixar cem por cento bem. Vou me lembrar de tudo sempre.

― E mesmo se não fizer, não vai lembrar do mesmo jeito?

― Acontece que, eu também mereço estar assim.

― O que quer dizer?

― Se eu voltar a andar, de certa forma estarei negando o sofrimento que devo passar por ter deixado meus homens mortos. O castigo que estou me colocando ainda é pouco, e se não for para estar recuperado em tese "bem" sem as fisioterapias, continuar sem andar é mais propício pelas esposas sem seus maridos que assisti chorar no velório, pelas crianças que tiveram seus pais perdidos por causa de uma falha minha, pelos meus amigos que enterrei com tristeza presa na garganta e pelo Harlei que, morreu olhando para mim.

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