Era outono quando a conheci.
Minha vida seguia seu fluxo normal, como sempre havia sido, e eu estava feliz do jeito que estava. Não estava procurando amor, ela tampouco, mas parece que o amor estava procurando a gente.
Fomos quase um achado do destino, um plano arquitetado feito na medida pra dar certo e dar errado na mesma proporção. Ela é jogadora do Conegliano, eu era torcedora do Conegliano. Eu sou presença frequente no ginásio, e os ginásios são como a segunda casa dela.
Era uma tarde de outono quando a conheci, tão curtas como de costume, tal qual nosso primeiro diálogo. Nada muito importante, contrastando com a importância que iríamos ter uma para a outra.
Foi já no terceiro encontro que eu soube que estava apaixonada por ela. Ela colocava os cabelos loiros atrás da orelha incessantemente enquanto me contava sobre seu signo e seu ascendente, e eu olhava pra ela com um sorriso idiota na cara. Eu não entendia nada de signos, achava aquilo tudo uma bobagem, mas por ela eu fazia um mapa astral inteiro. Eu, que sempre fui a racional da família, discreta e contida, me entreguei totalmente a uma mulher que era uma tempestade de verão, que sorria com os olhos e que não sabia conversar sem falar com as mãos. Aquela era a despedida dos meus dias normais.
Não era difícil gostar da Gabriela. Ela era espontânea, engraçada e simpática. Foi uma questão de minutos para ela conquistar minha família e meus amigos. Rindo, as pessoas me parabenizaram e repetiram que eu tinha tirado a sorte grande. Eu não precisava que eles me falassem pra eu saber disso. Nós éramos a definição perfeita de "os opostos se atraem", já que uma das únicas coisas que tínhamos em comum era o amor pelo vôlei. Nossos signos são inferno astral, dizia ela. A capacidade dela de fazer piada com tudo se opunha a minha de não gostar de brincadeiras. Eu amava praia e verão, ela preferia frio e neve. Eu adorava filmes de terror, ela amava ficção científica. Eu escutava qualquer tipo de música, na playlist dela só tinha sertanejo.
Não era difícil gostar de Gabriela, mas não era fácil conviver com ela. Aos poucos, as brigas foram chegando e o lado obscuro de toda a história de opostos foi se evidenciando. Ora eu me irritava com suas piadas, ora ela se irritava com meu jeito contido; eu me incomodava com seu jeito expansivo demais, e ela se irritava por eu me incomodar. As brigas começaram a deixar de ser casos isolados e se tornaram cada vez mais constantes. Em um determinado ponto, parecíamos procurar motivos para nos desentendermos, como se tudo um no outro nos levasse ao extremo limite da irritação.
Foi em uma noite de inverno que terminamos pela primeira vez. Para ser franca, não me lembro o motivo pelo qual começou nossa briga, mas tenho certeza que foi por um motivo fútil, assim como todos os outros motivos para as nossas brigas recentes. Era absurdamente ridículo o nível que nossos desentendimentos haviam chegado, e por mais que eu tivesse consciência disso, não sabia o que fazer para mudar.
O que se faz quando você ama uma pessoa, mas não consegue mais se entender com ela?
"É melhor a gente se afastar por um tempo". Foram exatamente essas palavras que eu usei naquele dia. Foi dito em um impulso, mas era consequência da exaustão que já me tomava. Era completamente desgastante as consecutivas brigas. Eu pude notar o choque no olhar de Gabriela ao ouvir aquela frase, pude notar também as lágrimas se formando em seus olhos. Estávamos em meu apartamento, e ela foi embora sem dizer nenhuma palavra. No exato momento em que ela passou pela porta, eu me arrependi.
Ficar sem Gabriela foi torturante. Cada hora sem falar com ela, sem saber como ela estava... Foi pura angústia. Os dias ficaram terrivelmente mais longos, eu tinha dificuldade para me concentrar em qualquer coisa. Não estava mais com ela, mas meus pensamentos eram dela; estavam nela. Não conseguia parar de pensar em como ela estaria, se estava sofrendo, se sentia minha falta tanto quanto eu sentia falta dela. Me amaldiçoava pensando que causara dor a ela, mesmo tendo feito o que achava certo no momento.
Nosso primeiro término durou exatamente duas semanas. Em uma noite chuvosa, já tarde da noite, ela bateu na porta do meu apartamento. Completamente encharcada, tinha uma expressão desolada no rosto quando disse: "É inverno, está chovendo... como minhas noites favoritas são. Mas não são favoritas se não estou com você". Naquela noite eu tive certeza que não importava o momento, o local, a hora ou o lugar. Se não fosse com ela, se eu não estivesse com ela... Não me interessava. Gabriela era a minha parte favorita de mim.
Gostaria de poder dizer que depois disso viria o "felizes para sempre", mas a realidade é muito mais cética do que se conta por aí. As coisas ficaram em paz nas semanas seguintes à nossa reconciliação, mas não demorou muito para que tudo voltasse a ser como antes.
Términos e voltas passou a ser algo normal em nosso relacionamento. Separamos constantemente porque chega um ponto em que nossa convivência se torna impossível, mas sempre voltamos porque viver longe uma da outra parece impossível também. Entramos em um ciclo vicioso que parecia difícil de sair.
Um relacionamento que começou tão bonito, um amor construído e cultivado pelas duas, que nos encontrou e nos fez sentir o que nem sabíamos que precisávamos até achar. E agora se resumia a um ciclo vicioso, onde tudo que sabíamos fazer era nos magoar e nos ferir. Perguntava-me de quantas maneiras mais iríamos despedaçar o coração uma da outra. Por que o amor mútuo que sentimos não é suficiente para que não nos machuquemos? É sádica a ilusão de que amor é suficiente para tudo, e é cruel a constatação na prática de que isso não é verdade.
Eu e Gabriela somos como um gênero de filme clichê, sabíamos o que ia acontecer e sabíamos como ia terminar. Brigamos por motivos toscos e por motivos nem tão toscos assim, falamos coisas da boca pra fora – coisas que machucam – e ferimos intencionalmente. Concordamos que a situação está insustentável e de comum acordo decidimos que é melhor cada uma seguir sua vida. Mas nunca demora muito para nos sentirmos miseráveis sem a outra, não demora muito para que eu comece a sentir o cheiro dela na minha cama, para que eu sinta falta da bagunça que ela faz no meu banheiro, não demora muito para que eu comece a vê-la em todos os rostos.
Minha vida sem Gabriela é sem graça, sem cor; preenchida por um monte de coisas que não são ela. É muito difícil quando se vê a pessoa em tudo, porque não há possibilidade de se dar um passo sem lembrá-la.
No verão, ela era aquele sol que entrava em meu quarto no começo da manhã, me despertando para vida que eu teria ao lado dela. No outono, ela era aquele fim de tarde tranquilo que lembrava como tudo começou. Na primavera, ela era as flores que se espalharam por todos os lugares, deixando tudo ao seu redor mais bonito. Já o inverno... O inverno era especialmente difícil. Ela era aquelas noites que passávamos juntas embaixo das cobertas, assistindo um filme e tomando chocolate quente. Ela era aquele vento frio que me atravessava e me fazia arrepiar da cabeça aos pés. Ela era a coisa mais bonita que eu já tive em minha vida, em qualquer estação.
E era por isso que de um jeito ou de outro eu acabava sempre voltando pra ela. Não importa o quanto eu prometa pra mim mesmo que daquela vez acabou pra sempre, eu sempre voltava pra ela porque ela era a melhor parte de mim. E eu sinto medo. Sinto medo porque ela é boa demais, e eu sou mestre em estragar as coisas boas pra mim. E eu estrago. Já estraguei nós dois diversas vezes, e ela também. Vai ver nem somos tão diferentes como imaginávamos. Vai ver somos ridiculamente parecidas em estragar a gente mas também verdadeiramente parecidas para voltar correndo pros braços da outra.
Nosso amor não era de todo bonito como nos romances vendidos por aí, nós duas temos nossas partes feias. Mas juntas, nós sabíamos ser boas.
E eu preferia 1000 dias de turbulência com ela, do que apenas 1 sem ela.
