O mesmo sonho apareceu de novo naquela noite. Adolescentes dançavam em um círculo ao redor de uma fogueira alta, como se estivessem celebrando o dia de São João. Celina só podia observar de longe. Quando a música terminava, todos iam para a estação de trem carregando malas e chapéus. Com acenos tristes, os adultos se despediam dos adolescentes empoleirados nas janelas, e a fumaça se dissipava à medida que todos partiam para o horizonte. Em cada repetição do mesmo sonho, Celina ficava para trás, parada, observando o tempo funcionar para os outros enquanto raízes prendiam seus pés à terra.
Seus olhos pretos se abriram junto à dor no peito sem fôlego. Ela pulou para fora das cobertas e abriu a janela com força para inspirar o máximo que conseguia. Um acesso de tosse profunda e violenta trouxe de volta o ar para seus pulmões, e tudo ficou bem.
Cansada, sentindo a brisa fria daquela noite eriçar os pelos dos braços, Celina fechou a janela. Sentou-se de volta na cama e apanhou o copo d'água na mesinha de cabeceira para beber. Com o coração mais calmo, o silêncio trouxe aos seus ouvidos as vozes dos pais entrando pela fresta da porta um pouco aberta do quarto.
— Mas por que você também tem que ir? Não consigo fazer as entregas do vilarejo todo sozinha.
— Leva a Celina com você.
— Ela não aguenta.
— Vai ter que aguentar. Ela não pode ficar trancada dentro de casa pro resto da vida, mulher.
— É só até ela melhorar...
— Você sabe que ela nunca vai melhorar. É só questão de tempo até...
— Não fala assim.
Um breve silêncio se alastrou por toda a casa. Celina estava acostumada a ouvir aquilo, mas ainda doía saber que nem o próprio pai acreditava em sua recuperação.
— Eles nunca estiveram tão perto e tão vulneráveis — a voz do homem continuou, ignorando a questão de Celina. — Tem anos que uma chance boa dessas não aparece. Dessa vez essas crias do diabo não escapam.
Foi o suficiente para Celina entender sobre o que eles estavam conversando e o que aconteceria a seguir. Com uma expressão aborrecida, ela se deitou na cama mais uma vez e tentou voltar a dormir, mas o céu clareou antes que suas pálpebras mostrassem qualquer sinal de fraqueza. Antes que pudesse soltar um suspiro cansado, já prevendo o dia exaustivo que teria, Celina ouviu o rangido da porta anunciando o início de mais um ciclo.
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Sob as asas da coruja
FantasyEm um mundo onde pessoas exterminam metamorfos por serem considerados "crias do diabo", estabelecer algum nível de comunicação entre as espécies parece impossível. Mas é isso que Celina acaba fazendo quando encontra uma coruja-buraqueira em apuros e...