Capítulo 3

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Quando os olhos amarelos voltaram a se abrir, encontraram logo à frente do bico um pratinho com pedaços de frango cozido. Ergueu o corpo e, ao olhar ao redor, percebeu que não estava sozinha. O instinto de fuga a fez ficar de pé num instante, mas a fraqueza a jogou de volta na mesinha onde tinha sido colocada.

— Ei, vai com calma — Celina disse, sentada na cama, que ficava a uma boa distância da mesa —, você tá muito fraca ainda. Precisa comer pra...

A coruja balançou a cabeça com força e acertou o bico no pratinho de frango, que atravessou o quarto e se estilhaçou na parede.

— Que barulho é esse, Celina? — a mãe gritou de outro cômodo da casa.

— Não foi nada, mãe, só um pratinho que deixei cair! Já vou limpar!

Celina deixou o livro que estava em suas mãos de lado, levantou-se com cautela da cama e andou lentamente em direção à porta, tentando não deixar a coruja mais assustada do que já estava.

— Olha, eu não vou te machucar, tá? Só quero que você fique boa logo e volte a voar por aí, mas pra isso acontecer você precisa de energia. Já entendi que você não gosta de frango — Celina concluiu, olhando para a bagunça no chão, e soltou uma risadinha —, então vou ali buscar outra coisa. Já volto.

Mas ela não sabia o que poderia substituir o frango. Arroz? Legumes? Celina duvidava que uma ave de rapina consumiria outro tipo de alimento que não tivesse origem animal, então decidiu só preparar um pouquinho de água com açúcar por enquanto.

Ao voltar para o quarto, Celina viu a coruja caída na mesa, desacordada. Com a preocupação crescendo no peito, ela correu até lá, abriu o bico gentilmente com uma mão e, com a outra, pegou uma colherada de água com açúcar do copo que havia trazido. Derramou o líquido com cuidado dentro do bico aberto da coruja, rezando para que aquilo funcionasse. Mais uma colher, e outra, e mais outra. Na quinta, a coruja voltou a abrir os olhos, ainda atordoada. Celina soube que não teria muito mais tempo, então fez a sexta colher de água com açúcar descer pela garganta dela rapidamente e, como esperava, as garras afiadas se ergueram para atacá-la.

Celina se afastou e a coruja pareceu ficar mais calma. Ficou de pé, sacudiu a cabeça, abriu e fechou o bico, como se estivesse sentindo o gosto do açúcar remanescente, e olhou para o copo ao seu lado. Depois virou para a colher largada às pressas à frente. Então, direcionou os grandes olhos amarelos para Celina, e nela os deixou fixos por um tempo maior. A garota nem se mexeu, temendo que qualquer movimento pudesse assustar a coruja mais uma vez.

Uma brisa balançou de leve as plumas da coruja, então ela olhou para o lado. Celina acompanhou o olhar e viu que a janela estava aberta. Prevendo o que estava prestes a acontecer, ela avançou na direção da mesa assim que a coruja abriu as grandes asas e tomou impulso para voar através da janela. Como esperado, ela não permaneceu nem um segundo no ar e caiu, mas o reflexo muito veloz de Celina a salvou de se espatifar no chão.

Segura nas mãos confortáveis da garota, a coruja parecia atordoada, quase indignada por não ter conseguido realizar uma fuga tão simples, mas logo recobrou os sentidos e, assustada, começou a desferir golpes desesperados com as garras, que acabaram acertando os braços de Celina várias vezes.

— Ai, ai, ai, tá bom, já te soltei! — ela exclamou, deixando a coruja no chão, e se afastou com pressa, mas a pequena ave continuou olhando com muita intensidade em sua direção. Os olhos estavam ainda mais arregalados que o normal. Parecia que de repente tinha visto algo muito mais assustador que um ser humano. Celina até olhou para trás para se certificar, mas uma dor profunda nos braços a fez perceber que a preocupação da coruja estava no sangue que pingava sem parar dos cortes abertos ali. — Ah...

Sob as asas da corujaOnde histórias criam vida. Descubra agora