Quando os Homens Roubam a Terra

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Esse conto foi escrito pelo autor Ana14TATAKAE.

Eu me lembro de quando o céu era azul. Não um azul pálido e empoeirado como as sombras que aparecem entre as torres de ferro, mas um azul profundo, onde o sol brilhava com vida e aquecia cada folha e galho. A vegetação verdejante se estendia por toda parte, e o mundo era repleto de vida, cantos, e cheiros doces. Mas esses dias parecem mais como histórias antigas que o vento carrega. Agora, eu estou sozinho.

Meu refúgio sempre foi a grande árvore. Suas raízes emergem do solo, largas e acolhedoras, como braços que me amparam quando estou cansado. Sou um cervo, uma criatura de pés leves, que um dia correu livre pelas planícies e florestas sem fim. Agora, só restam pedaços. Minha casa, essa árvore, é a última lembrança viva de um tempo que os humanos se esforçam em apagar. Enquanto me deito entre suas raízes, ouço o sussurro da terra, o último suspiro de um mundo que um dia conheceu o equilíbrio.

Os humanos, eles são os responsáveis. Olho para as suas torres, que se erguem cada vez mais alto, feitas de metal frio, cortando o horizonte. Eles não percebem que, a cada pedra que levantam, a cada árvore que derrubam, algo insubstituível morre. Eles não sabem o que é viver em harmonia com a terra, sentir a vibração da vida sob seus cascos. Eles andam pesadamente, cegos para tudo ao seu redor, acreditando que suas construções vão durar para sempre.

Eu não sou como eles. Nunca fui. Desde que era um jovem cervo, aprendi com os ventos e as folhas a linguagem da natureza, uma linguagem que os humanos se recusaram a aprender. A árvore, essa árvore onde vivo, é uma das últimas de seu tipo. Já vi muitas outras caírem, abatidas por machados e máquinas. Às vezes, ouço os gritos das raízes sendo arrancadas, um som que só eu e os outros animais ainda entendemos.

Hoje, saí em busca de comida. Não é fácil encontrar o que comer agora; as frutas, que antes enchiam os galhos, se tornaram escassas. Ainda assim, percorro o que resta da floresta, minhas patas conhecendo cada caminho, cada marca no solo. Quando voltei, algo estava errado. O vento carregava um cheiro de morte, e o ar estava mais pesado do que o normal. Apressei-me, mas, quando cheguei, encontrei o que eu temia: minha árvore, minha casa, estava sendo derrubada.

Os homens estavam lá, com suas máquinas e serras. As raízes, que sempre me acolheram, estavam expostas, rasgadas e retorcidas, como se a terra estivesse sangrando. O tronco, firme e imponente por tantos séculos, agora estava inclinado, prestes a cair. Corri em círculos ao redor deles, tentando fazer com que parassem. Meus gritos eram inúteis. Eles não entendem. Eles nunca entenderam.

Eu gritei, não com palavras, mas com o som que todo animal faz quando vê seu lar ser destruído. Um som profundo, de dor. Eles continuaram, como se eu fosse invisível. Suas mãos frias operam as máquinas, seus olhos fixos no trabalho. Não havia compaixão ali. Só pressa. Pressa em transformar tudo o que era vivo em algo morto, em ferro e cinzas.

Finalmente, ouvi o estalo final. O tronco cedeu, tombando com um estrondo surdo. A terra tremeu, e eu me senti quebrar por dentro. Tudo o que eu conhecia, tudo o que restava do antigo mundo, agora estava no chão, partido em pedaços. Eles arrancaram suas raízes, seu coração. E, com isso, arrancaram o meu também.

Sentei-me ao lado dos restos da árvore, minhas patas fincadas na terra fria. A vida que uma vez se derramava dela agora era apenas um eco distante. As folhas, antes verdes e cheias de promessas, estavam espalhadas pelo chão, misturando-se à poeira e à sujeira. O vento soprou fraco, levando consigo o cheiro da morte.

Os humanos não sabem o que fizeram. Não conseguem ver além de suas torres, suas máquinas, suas conquistas superficiais. Eles acham que dominam o mundo, que são os donos de tudo o que tocam. Mas eles estão errados. Eles estão perdendo o que nunca poderão recuperar. Com cada árvore que cai, com cada pedaço da natureza que destroem, eles estão cavando a própria cova. Eles podem construir suas torres o mais alto que quiserem, mas sem raízes, nada pode resistir por muito tempo.

Eu não sei o que farei agora. Não há mais um lar para onde voltar, não há mais sombra para descansar. Tudo o que resta é a lembrança da vida que já foi, e o peso do vazio que agora se instala. Eu posso continuar a vagar, mas sei que, em breve, não haverá mais lugar algum para ir. Os humanos tomaram tudo. E o que eles ainda não tomaram, estão a caminho de destruir.

Enquanto me afasto das ruínas da minha árvore, ouço, ao longe, o som das máquinas. O futuro, para eles, é feito de ferro. Para mim, o futuro é apenas silêncio.

Contos da Mata - 04 de Outubro Onde histórias criam vida. Descubra agora