Débora
A biblioteca é um dos lugares que eu mais gosto nessa casa, é calmo. E como tudo que Augusto faz, ele estraga a tranquilidade do local apenas com a sua presença.
— Débora, será que você consegue fazer menos barulho ao virar as páginas? — Ele pede, sem tirar os olhos do livro.
Ele não está lendo. Ele nunca lê de verdade; ele está contente em absorver informações superficiais para sair regurgitando-as por aí, tentando parecer inteligente.
Eu fecho momentaneamente o livro, deixando dois dedos marcarem onde estou.
— Augusto... — Suspiro novamente. — Eu não viro página alguma tem algum tempo. Você está ficando louco?
Ele levanta o olhar por cima dos óculos e leva a língua aos lábios, como se estivesse pensando em como responder. Mas ele não responde. Apenas deixa seus olhos vagarem pela minha figura sentada no sofá por um segundo e então volta à farsa de entretenimento.
O tique-taque do relógio se faz presente diante do silêncio. Balançando a cabeça levemente, eu retorno a atenção para o volume de O Leopardo em meu colo. Mas, ao tentar ler, a minha cabeça começa a latejar.
A sensação de ser observada por Augusto cresce, mesmo que ele não esteja olhando diretamente para mim. Levo a ponta dos dedos às têmporas e fecho os olhos por um segundo.
— Você está bem? — pergunta, tirando os óculos e deixando o livro no joelho.
— Estou — murmuro — É só uma dor de cabeça.
Por um momento, acho que ele vai se levantar e sair do cômodo, ou talvez mesmo se aproximar em gesto de cuidado. Mas no momento seguinte, ele volta a se acomodar, cruzando as pernas enquanto continua a olhar e me estudar, como se eu fosse um animal enjaulado em um zoológico.
— Tem certeza de que está tudo bem? — Ele repete, levantando o olhar para as estantes ao redor quando eu também o encaro.
Estamos consideravelmente distantes um do outro, mas ainda assim eu consigo sentir o cheiro forte da sua colônia – fragrância a qual eu mesma escolhi.
— É só uma dor de cabeça, Augusto — reitero.
Ele faz aquele pequeno gesto de franzir a testa, o mesmo que tem feito sempre que quer parecer preocupado nos últimos 10 anos.
— Quer uma massagem? — pergunta, baixando um pouco a voz.
Já consigo pensar no que ele iria querer em troca. Visto que ele sempre quer alguma coisa.
— Não vou precisar, obrigada — respondo, sorrindo.
Uma breve expressão passa pelo seu rosto quando eu declino o seu gesto bondoso. Mas ela não fica por muito tempo. Ele volta a estudar cada pedacinho do meu corpo com o olhar. Eu poderia contar a ele o quão irritada isso me deixa. Mas ele não entenderia. E, pra ser sincera, provavelmente não se importaria. Augusto só se importa com Augusto.
A dor de cabeça aumenta, fazendo sentir como se houvesse alguém cutucando a parte de trás dos meus olhos com dezenas de alfinetes. Fecho os olhos novamente, respirando fundo.
— Você está com um aspecto péssimo. Está se sentindo mal assim há quanto tempo?
A vontade de ignorar completamente sua pergunta é gigantesca, mas respondo igualmente.
— É só uma dor de cabeça — repito pela terceira vez — Ela apareceu hoje, não foi nada muito ruim até agora.
Ele coloca os óculos na ponta do nariz de novo, apoiando os cotovelos nos joelhos e unindo as mãos de forma pensativa.
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Entre Verdades | ⚢
RomanceMaya e Tomás são amigos desde a adolescência e decidem forjar um relacionamento. Depois de passar um tempo longe do Brasil, Maya volta, e Tomás finalmente apresenta a namorada para os pais, Augusto e Débora; o típico casal de classe alta. Um advogad...