Capítulo 3: A Primeira Tensão

29 3 1
                                    

Os dias na fazenda avançavam com uma estranha mistura de monotonia e tensão. Soraya, com seus 20 anos, tentava se adaptar ao novo ritmo de vida rural, muito diferente de tudo que conhecera. Desde os 15, quando foi para o intercâmbio na Europa, sua vida havia sido cercada por luxo, glamour e, sobretudo, controle. Agora, de volta ao Brasil, e mais especificamente à fazenda dos pais — onde só passava breves férias antes de sua partida —, ela se via diante de um mundo que não compreendia. Um mundo onde Simone, uma mulher de 40 anos, dona de terras e com uma personalidade tão firme quanto as cercas de sua propriedade, a desafiava a cada passo.

Soraya descia da caminhonete após uma ida rápida à cidade, quando ouviu a voz grave de Simone cortando o ar, sem nem se virar para olhar para ela.

— Vai devagar com essa saia aí. Ou a gente vai ter um problema mais tarde. — Simone comentou, os olhos fixos nos cavalos, mas a boca formando um meio sorriso de canto, como se estivesse provocando.

Soraya parou no meio do caminho, surpresa pela indireta. O vento balançava a barra do vestido leve que ela usava, o que dava à cena uma sensação de contraste. De um lado, ela com seu ar cosmopolita, e do outro, Simone, com seu estilo bruto e rústico, sempre de botas e jeans desgastados.

— Ciumenta, é? — Soraya retrucou, lançando um olhar desafiador por cima do ombro.

Simone ergueu uma sobrancelha, mas não respondeu de imediato. Apenas deu de ombros, como se não precisasse dizer mais nada. O silêncio entre elas se alongou por alguns segundos, cheio de uma tensão que Soraya não sabia como nomear, mas que sentia com cada centímetro de sua pele. Não era algo que pudesse ser explicado. Não era atração, pelo menos não do tipo que ela conhecia. Era algo mais primitivo, mais visceral.

— Não é ciúmes, princesinha. — Simone finalmente quebrou o silêncio, voltando o olhar para ela com aquela intensidade que Soraya já começava a reconhecer. — Só sei o que acontece por aqui. E quem tá de fora, às vezes, não sabe se cuidar.

Aquelas palavras atingiram Soraya de forma inesperada. Ela não gostava de ser vista como alguém "de fora", como se fosse uma criança ingênua que não soubesse lidar com a vida. E, principalmente, não gostava da ideia de que Simone a enxergava dessa forma. Sempre fora tratada com deferência, como alguém que sabia o que queria e onde pertencia. Mas ali, naquele universo de bois, cavalos e terra, era como se Simone estivesse desmontando, peça por peça, a fachada que Soraya havia construído.

— Eu não preciso que ninguém me cuide. — respondeu Soraya, a voz firme, tentando esconder qualquer traço de insegurança. — Sei me virar muito bem sozinha.

Simone a encarou com aquele sorriso enigmático, os lábios curvando levemente, como se estivesse prestes a dizer algo que ela sabia que provocaria ainda mais irritação em Soraya.

— Sei que sim. — respondeu ela, em tom sarcástico. — Desde quando mesmo você mora fora? Desde os 15?

— E o que isso tem a ver? — Soraya cruzou os braços, desafiadora.

Simone se aproximou lentamente, dando alguns passos na direção de Soraya. Quando estava perto o suficiente, parou, mantendo uma distância calculada, mas que parecia demasiado próxima para o conforto de Soraya.

— Você cresceu longe daqui. — Simone começou, sem pressa, como se estivesse avaliando cada palavra antes de soltá-la. — Longe da terra, das coisas simples. Não que eu ache errado. Cada um escolhe seu caminho. Mas, princesinha... — Simone fez uma pausa, os olhos fixos nos de Soraya, enquanto sua voz caía para um tom mais baixo, quase um sussurro, mas carregado de intenção. — Aqui, as coisas são diferentes. Se você não souber como lidar, o chão pode te engolir.

Soraya prendeu a respiração por um momento. Aquela conversa parecia ser sobre algo muito maior do que as tarefas da fazenda. Algo sobre as regras do jogo que Simone conhecia tão bem e que ela, até então, desconhecia.

— Talvez você precise de uma lição, então. — Soraya respondeu, num misto de provocação e raiva, tentando esconder o desconforto que aquelas palavras tinham causado. — Me mostra como sobreviver nesse seu mundo, Simone.

Simone sorriu, mas dessa vez não era um sorriso divertido. Era algo mais sombrio, uma mistura de desafio e cumplicidade.

— Ah, eu posso te mostrar, sim. — Simone respondeu, a voz grave de novo, enquanto o olhar deslizava pelo corpo de Soraya de uma forma que a fez engolir em seco, mesmo sem entender o porquê.

O ar entre elas estava carregado de algo que Soraya não conseguia nomear. Não era exatamente tensão sexual, não ainda. Era mais como uma dança de poder, onde ambas tentavam descobrir quem cederia primeiro, quem entregaria a primeira carta. E, no fundo, Soraya sentia que Simone estava no controle.

Mas ela não admitiria isso.

— Vamos ver se você tem coragem, então. — Soraya desafiou, virando-se de costas e caminhando em direção à casa, sem olhar para trás.

---

Naquela noite, enquanto Soraya tentava dormir, o eco das palavras de Simone não saía de sua cabeça. "Aqui, as coisas são diferentes". O que Simone queria dizer com isso? E por que aquelas palavras tinham a deixado tão inquieta? Soraya sempre soube o que esperar das pessoas, sempre teve o controle das situações em sua vida, mas, ali, naquela fazenda, diante de Simone, era como se tudo estivesse de cabeça para baixo.

Ela se revirava na cama, incomodada com a sensação de que Simone estava ganhando algum tipo de batalha invisível. Cada provocação, cada olhar, cada sorriso enigmático... Era como se Simone soubesse exatamente onde atingir, sem nunca ser óbvia.

Ao mesmo tempo, Soraya se pegava pensando mais do que gostaria naquela mulher. Simone, com seus 40 anos, tão diferente de qualquer pessoa que Soraya havia conhecido. Era dura, direta, e parecia não se importar nem um pouco com a opinião alheia. Isso a irritava e a intrigava ao mesmo tempo. Era como se Simone fosse um enigma, uma força da natureza que Soraya não conseguia decifrar.

"Por que ela me afeta tanto?", pensou Soraya, frustrada. Não fazia sentido. Mas talvez, naquela fazenda, as coisas realmente fossem diferentes. E Simone sabia disso.

---

No dia seguinte, Soraya decidiu que não deixaria Simone vencer essa batalha de provocações. Se Simone pensava que ela era uma "menina da cidade" que não aguentaria o tranco, então ela estava disposta a provar o contrário. Mesmo que, para isso, tivesse que se forçar a entrar mais nesse mundo que tanto desprezava.

Ela saiu do quarto com determinação, vestida de forma mais casual, pronta para encarar o que viesse pela frente. Quando chegou ao pátio da fazenda, Simone já estava ali, como sempre, mexendo com os cavalos. A mulher nem precisou olhar para saber que Soraya estava ali.

— Bom dia, princesinha. — Simone disse, sem nem se virar, a voz carregada de ironia.

Soraya respirou fundo, controlando a vontade de retrucar de imediato.

— Vamos ver se hoje você me ensina alguma coisa útil. — disse Soraya, se aproximando. — Estou disposta a aprender.

Simone finalmente se virou para ela, os olhos faiscando de diversão. Ela deu mais um daqueles sorrisos de canto, como se já soubesse onde tudo aquilo terminaria.

— Veremos, Soraya. Veremos...

Entre laços e Esporas - SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora