Capítulo 10

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Amanhã já era Agosto. "Desgosto já começou" minha mãe dizia. Pierre estava morto, assim como Hélio. Ângelo internado em estado grave no hospital. Cátia acendia velas para ele como se já estivesse morto.

Abria sua varanda. Minha me trocou os lençóis por limpos. Ela disse que ele gostaria. Olhei ao redor e sorri, Camille ainda estava aqui. Me sentei e rodei ela. Fechei os olhos por um segundo e pude sentir os resquícios de seu hálito. Seu cheiro e seu sabor.

Olhei para a varanda e vi sua silhueta juvenil passar por entre o tecido. Ele me beijou, era quase real. Tentei falar mas ele não desgrudou os lábios. Quando tentei toca-lo ele fugiu. Correu ao redor da cama.

Pierre!

Sorri indo atrás de Pierre. Ele subiu na cama jogando os travesseiro na minha cara. Tentei puxa-lo pelo braço mas ele era mais ágil. Passou pela sua cabeceira e correu escadas abaixo

Eu vou te pegar!

O segui e dei de cara com um homem na cozinha, se servindo de uma taça de vinho.

Quem é você?Você invade minha casa e pergunta quem eu sou? - Disse com sotaque europeu forte.

Ergueu as sobrancelhas grisalhas, ele já foi forte um dia mas mantinha o porte. Tinha barba grisalho bem rente ao rosto e estava de terno. Parecia ser um homem importante.

Você é ele não é? Júlio César?

Ele suspirou - sou o noivo de Pierre. E você deve ser Ricardo, seu amante.

Estava sem palavras, por onde eu devia começar?

Não se acanhe, Pierre me falou bem de você. Me escreveu durante o verão todo.Escreveu? Não me lembro de ver ele fazendo isso.

Ele riu, bebendo o vinho - Pierre tinha seus mistérios, como saber muito em tão pouco tempo. Ele te mostrou?

Neguei, fomos para a sala. A polícia havia deixado um quadro virado para o chão. César o pegou e o descansou no sofá. Era a pintura de Pierre, sorte ela está intacta.

Creio que ele falou sobre nossa relação para você.Que são pai e filho além de noivos.Sem tabu.Não concordo, mas está perto de você me faz sentir ele. Ótimo. Ele não queria ser entendido mesmo - girou a taça - não há nada a brindar. Então será vinho.

Indo pra seu antigo quarto, vi os travesseiro no chão. A bailarina ainda tocava.

Eu vi ele. Agora. Eu o beijei.Deve saber que Pierre tinha um jeito diferente de ver a vida. Tinha um dom de saber das coisas sem propósito.

Tirou uma carta do bolso do paletó, tinha sua fragrância

Isso é seu agora - Me entregou a bailarina - Pierre me pediu para caso eu desembarcasse e não estivesse mais vivo, que desse a bailarina para você.Ele escreveu sobre a morte dele?Acho que ele já sabia do seu destino vindo morar aqui. Eu não deveria tê-lo deixado morar sozinho, tão inconsequente.Quantos anos ele tinha?Faria 18 em dezembro. Me pego pensando, há um significado para tudo isso? No final valeu a pena? Uma família destruída era isso que Pierre queria?Acho que não. Ele escondeu bem sua motivação. Mas nunca saberemos.Como pai eu devo perguntar - ele me encarou - meu filho estava feliz nos últimos dias?

Sorri com sua memória. Até quando me expulsou pela varanda.

pelo seu sorriso eu já sei a resposta. Agora acho que devo deixá-lo há sos. Para de acomodar.

Franzi o cenho - Me acomodar?

Pierre deixou o sobrado para você. Ele herdou por parte do tio há alguns anos.Tio? Marcelo?

César apenas sorriu entornando a taça - Tenha uma boa noite, Ricardo. Aliás aonde está a chave da porta?

Foi enterrada com ele. Ele usava no pescoço.Oh, que garoto levado- sorriu.

Ele foi embora, ouvi bater a porta. O céu estava claro. Estrelado. Como se quisesse me dizer algo que não conseguia ouvir. Um vento forte soprou contra a varanda, tentei fechar as portas mas ouvi algo caindo. Era a bailarina.

Merda! - recolhi seus cacos quando algo brilhante dentro dela me chamou atenção.

Puxei sua caixa de música para fora. Era uma faca velha com uma carta enrolada nela. Joguei a faca na cama e abri o papel.

Tinha seu aroma.

Meu doce Ricardo, escrevo isso ao seu lado. Mas saberei que se você ler eu já terei partido. A faca dentro de Camille é de uma cena de crime, de um de seus amigos. Dante e Marcelo.

Você me fez querer envelhecer ao seu lado, me fazendo ansiar pela vida. Pena que só vi te conheci tarde demais, meu amor.

Ângelo matou os dois e fez parecer suicídio e homicídio jogando a culpa em Dante, mas sua mãe sabe que isso não é verdade, confie nela a partir de hoje.

Meu último desejo de moribundo: converse com sua mãe e mostre a faca ela vai te falar o resto da história. O destino de Ângelo já está selado, eu sei.

Não permita que a mesma história se repita novamente.

Espero que você viva sua vida a partir de hoje como tanta felicidade quanto me fez sentir em tão pouco tempo, vou te amar além da vida. Espero um dia te encontrar novamente

De seu eterno noivo, Pierre.

Ouvi barulho de sirenes, corri para a varanda, podia ver há algumas quadras daqui o hospital em chamas. O rádio ligou.

"Acabamos de saber que a família local, Ângelo Herraz morreu num incêndio no hospital na ala 13. O incêndio ainda sem provas concretas parece ter sido provocado por velas, esperamos que Deus console sua família nessa semana difícil."

Olhei para minha mãe da varanda. Seu olhar era pesado cheio de segredo, discretamente pôs o dedo na frente da boca. Me mandado ficar quieto.

Me sentei na cama, amanhã levaria as provas para à delegacia. E depois partiria para São Paulo, ainda com a memória viva de sua bailarina em minha cama. Camille realmente cuidou de tudo.

Eu estava bem fisicamente, minha família estava bem. Algo me incomoda no lençol. Levantei e vi um manuscrito com uma nota.

"Ele me fez um último pedido, publique em São Paulo, com amor mamãe "

Sorri, tudo era sobre ele no final das contas. Marcelo, Pierre,Michelle ou Dante, Pierre viveu por eles uma última vez nessa varanda. Era agradável de se pensar assim.

Não haveria motivos para voltar para a rua Flamboyant 13 novamente, desliguei o abajur e deitei na cama.

Mas deixei a varanda aberta.

A Varanda de PierreOnde histórias criam vida. Descubra agora