Acordo

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PENSAMENTOS POR ANGELINE VITORINO:

Ao descer as escadas, sinto o peso de cada passo. As lembranças da noite passada dançam na minha mente, misturadas a um incômodo persistente nos braços, onde marcas ligeiramente arroxeadas se formaram. Puxo as mangas para cobri-las, mas é como se elas estivessem gravadas mais fundo, como um lembrete daquilo que eu não deveria sentir.

Quando entro na sala de jantar, o ambiente gélido já me dá uma amostra do que está por vir. Meu pai está sentado na cabeceira da mesa, com o olhar severo e distante. Minha tia, ao lado dele, segura a xícara de café com os dedos finos, os olhos afiados observando minha entrada como se eu fosse o prato principal de um banquete ao qual fui forçada a comparecer.

Assim que me sento, sinto um par de olhos sobre mim. Ergo o olhar, e lá está ele: Kael, encostado na parede oposta, vestindo um uniforme de segurança da casa, ele não está sozinho, existem alguns homens com as mesmas vezes. Eles usam uma máscara preta, e estão armados, mas sei que Kael está observando cada detalhe, analisando cada expressão. Ele não diz uma palavra, apenas permanece ali, como um fantasma do meu passado e uma sombra incômoda do meu presente.

Minha tia é a primeira a quebrar o silêncio.

__ Você chegou tarde ontem, Angeline. E, curiosamente, ninguém sabe onde esteve. Onde exatamente você estava? — A pergunta vem com um tom de desdém, disfarçada por um sorriso que nunca alcança os olhos.

Respiro fundo, tentando esconder o nervosismo.

__ Fui visitar uma amiga. Perdi a noção do tempo, mas não achei que se importariam afinal, eu acabei de chegar nesta casa... E o dia de vocês é extremamente ocupado para se lembrar de mim. __ Minha resposta é vaga, e eu sei que ela vai querer mais.

__ Uma amiga? — Isobel solta uma risada curta, sarcástica. __ Engraçado, porque ninguém te viu sair com ninguém.

__ Eu não... Eu a encontrei fora daqui, não avisei ninguém porque não achei que fosse importante.

Meu pai intervém, a voz baixa e cortante.

__ Não aceitamos esse tipo de comportamento aqui, Angeline. Já se esqueceu de quem você é? Da responsabilidade que carrega por essa família? Acha que é honroso que uma moça como você saia por aí sem avisar? Ficou louca? Você pode ser torturada, sequestrada e... __ Ele faz uma pausa, seus olhos perfurantes me seguram no lugar.__  E falando em responsabilidades, talvez seja hora de você conhecer o seu futuro noivo. Vamos organizar um jantar para oficializar as coisas nos próximos dias, você cuide disso Isobel.

Meus pensamentos se agitam. Noivo? Oficializar? Cada palavra pesa sobre mim, esmagando qualquer esperança que eu pudesse ter tido de escapar desse destino.

__ Vou cuidar para que ele esteja aqui em breve, para que vocês possam se conhecer adequadamente  __ Minha tia acrescenta, com uma satisfação que me dá náuseas.

Sinto o estômago revirar. Desvio o olhar e, por um instante, encaro Kael. Ele está em silêncio, mas a tensão em sua postura diz que ele ouviu tudo. Eu me pergunto o que ele pensa, se é que pensa algo sobre isso. Meu coração bate descompassado, mas não há nenhum sinal de apoio vindo dele.

__ Pai por favor.. Isso é... repentino, não estamos mais no século dezenove, eu ainda nem sei se quero estudar mais...
Não sabia que estavam tão ansiosos para me ver casada, não é isso que eu desejo.

__ Não é uma questão de ansiedade, Angeline. __ Meu pai rebate, firme. __ É uma questão de honra e de manter o legado da nossa família, você não tem ideia dos frutos que eu.. quer dizer, todos nós vamos colher com essa união.

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